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quinta-feira, 30 de outubro de 2008

" OS TEMPLÁRIOS"






OS TEMPLÁRIOS


Nem mesmo os mais cépticos conseguem permanecer indiferentes à aura misteriosa que contaminou tudo quanto respeita aos Templários, essa ordem religiosa e militar fundada no século XII para guardar os lugares santos. O Convento de Cristo e a cidade de Tomar são um dos mais notáveis repositórios do seu projecto ecuménico, mas inúmeros outros locais preservam em Portugal reminiscências dele.

Aos primórdios da Milícia dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, ou ainda da Santíssima Trindade, refere-se o cronista Jacques de Vitry, que viveu cerca de um século após a criação da Ordem. Segundo ele, um homem já idoso, Hugues de Payen, e um companheiro, Godefroy de Saint-Omer, tendo decidido consagrar-se a Cristo, partiram, em 1096, para Constantinopla, onde receberam do pontífice Teocletes, 67º sucessor do Apóstolo João, a incumbência de fundar um instituto militar religioso. Vinte e dois anos tarde, já em Jerusalém, e depois de terem convocado sete outros companheiros, consagrar-se-iam a Deus adoptando a Regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, desempenhando as suas funções com hábitos seculares e acumulando as dádivas dos peregrinos generosos a cuja protecção se haviam devotado.

A designação de Templários advir-lhes-ia da circunstancia de o rei Balduino II lhes ter cedido umas dependências, situadas junto à Cúpula do Rochedo, no local em que Salomão sediara o seu templo.

Em 1120, o Concilio de Troyes decidia, a instâncias de S. Bernardo, atribuir aos Templários uma regra cuja redacção seria inspirada pelo mesmo abade de Claraval. A ele ficaria, contudo, a dever-se um documento, porventura. mais importante do que esse outro aprovado no Concilio, porquanto, se a Regra visava constituir o estatuto normativo oficial da ordem no temporal, a Carta em louvor da Nova Milícia havia de reger a práxis dos seus confrades no espiritual.

Data, portanto, de 1128 a constituição efectiva da Ordem do Templo, por sinal o ano exacto em que se assinala o nascimento de Portugal como Estado independente de facto.

Apesar de documentada antes desse ano a presença de procuradores da Ordem no território portucalense, só a partir de então o Templo começaria a arrecadar bens a um ritmo que não deixa margem para dúvidas quanto à receptividade que aqui encontrara o seu ideário, ao ponto de o próprio Afonso Henriques se haver feito confrade da Milícia.

A importância crescente que os Templários haviam de assumir é, todavia, indissociável do papel preponderante que esse instituto, criado expressamente para custodiar e defender os lugares santos da Terra, iria desempenhar na geopolítica peninsular, terreno reconhecidamente privilegiado para o contacto com formas singulares de religiosidade e, nomeadamente, com a herança do mundo antigo, preservada pelo Islão.

O mapa do Portugal templário atesta, mesmo que os documentos a não explicitem, a preocupação dos dignitários provinciais de assumirem o controle de determinadas regiões consideradas chave, e não exclusivamente do ponto de vista militar e económico, de molde que, à medida que as vão integrando no património da Ordem, passem a administrar, com a visão que se lhes não pode negar, um território cuja coesão advém de uma qualidade intrínseca e essencial. Efectivamente, se houve ordem religiosa e militar que teve o dom de proceder à sacralização do planeta de acordo com os preceitos geomânticos tradicionais legados ao Ocidente pela antiguidade greco-latina, originando o que pode designar-se por geografia sagrada, a Ordem do Templo foi um dos seus mais elevados expoentes nos tempos medievais.






Vislumbres da gnose
templária





Uma das acusações expressas na ordem de prisão de todos os Templários, emitida pelo rei de França em 13 de Outubro de 1307, referia-se a adoração de um ídolo que tem a forma de uma cabeça de homem com grande barba.

Mas, além da acusação de idolatria, outras lhes seriam igualmente imputadas, de acordo com o libelo acusatório inquisitorial de 12 de Agosto de 1308. O crime mais censurável, segundo os inquisidores, decorria da circunstancia de os Templários serem apóstatas, pois, alegadamente, renegavam Cristo cuspindo na cruz.

Geoffroy de Gonneville, preceptor de Aquitânia e Poitou, indeciso quanto à origem do rito, avançaria explicações, na sua opinião aceites no seio da Ordem: de acordo com alguns confrades, fora instituído pelo mestre Gérard de Ridefort (1184 a 1 – 10 – 1189), segundo outros por Thomas Bérard (1256 a 1272) ou por um enigmático Roncelin de Fos, enquanto outros entendiam que memorava S. Pedro, o qual três vezes negara Cristo. Por seu turno, Geoffroy de Charnay, que confessou ter praticado a renuncia de Cristo a pedido de Amaury de la Roche, comendador da Normandia, acrescentava que este lhe teria afirmado [...] não acreditar naquele, cuja imagem estava pintada, porque era um falso profeta, não era Deus.

Acusações igualmente inventariadas no libelo davam os freires da Pobre Milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo como praticantes de beijos obscenos no acto de recepção na Ordem e portadores de cintos mágicos que cingiam na mesma ocasião, os quais teriam estado previamente em contacto com o supracitado ídolo.

Imediatamente após o cumprimento da determinação de Filipe, o Belo, o inquisidor Guillaume de Paris ordenaria aos seus agentes que conduzissem os interrogatórios de molde a esclarecer o caso. O zelo evidenciado pelos inquisidores produziu os resultados de antemão esperados. Com efeito, diversos cavaleiros submetidos a tortura acabariam por confessar a pratica dos aludidos ritos perversos, tais como a existência de um ídolo que alegadamente haviam visto ou adorado em diversas ocasiões e lugares, bem como das ataduras ou cintos mágicos colocados ao pescoço do ídolo, os quais recebiam com o compromisso de sempre, noite e dia, usarem.

Nunca, porém, a natureza do ídolo em questão ou o significado dos procedimentos enumerados haviam de ser satisfatoriamente dilucidados, sem dúvida graças ao desacordo entre as confissões obtidas e, nomeadamente, à circunstância agravante de jornais ter sido encontrada qualquer das imagens descritas.

Guillaume Pidoye, administrador guardião dos bens do Templo e a esse titulo detentor das relíquias e caixas apreendidas aos Templários de Paris, convocado pelos comissários para apresentar todas as imagens de metal ou madeira que tivessem resultado do confisco, declarou não ter encontrado senão uma grande cabeça feminina de prata dourada. No interior do relicário seriam achados dois ossos de um crânio muito pequeno envoltos num pano de linho branco e acompanhados por uma filactéria de tecido vermelho cosido onde era legível: Gaput LVIIm. Uma vez mostrada a Guillaume Arblay, este negaria tratar-se da cabeça humana a que aludira no seu depoimento, acrescentando não ter a certeza de a haver visto no Templo de Paris.

Em pleno século XVIII, quando a questão foi retomada pela pena de eruditos, o alemão Friedrich Nicolai encetou, sem se dar conta, uma polemica discussão, ainda hoje não encerrada, ao atribuir algo apressadamente o nome de Baphomet ao ídolo, até então jamais baptizado. Fê-lo numa obra extremamente hostil aos Templários, inspirado na deposição do provençal Gaucerand de Montpezat, o único confrade que durante todo o processo de que a Ordem foi alvo se referira a uma imagem com a forma de um bafomete. Este testemunho induziria o investigador germânico a suspeitar da vigência de uma doutrina secreta no seio da Ordem do Templo. Trazida do Oriente, seria, na sua opinião, indissociável do Islão, conhecidos os laços de companheirismo mantidos por alguns mestres do Templo com chefes muçulmanos e sabido que as mesquitas eram designadas na Provença por bafomairias.

Entretanto, que indícios existem, se é que em Portugal os há, que permitam afirmar ou negar que os Templários portugueses partilhavam do mesmo ideário dos irmãos franceses, uma vez que aqueles foram ilibados de todas as acusações imputadas a estes ?

Vão deixa de ser curiosa a persistência na região de Tomar de uma tradição que, aparentemente, poderá relacionar-se com uma das acusações proferidas contra os Cavaleiros do Templo. Referências às Aleluias de Cem Soldos, outrora também realizadas em Carregueiros, pelo menos. As Aleluias são cruzes e ramos de cana ornamentada com flores naturais. Na manhã de domingo de Páscoa, jovens ostentando-as (as cruzes os rapazes, os ramos as raparigas) percorrem as ruas da povoação proclamando a ressurreição de Cristo. Depois, na capela, reúnem-se para o ofício religioso. Concluído este, todos, à excepção do melhor ramo e da melhor cruz, previamente avisados pelo júri, saem do templo, iniciando a destruição, na escadaria que lhe da acesso, de todas as cruzes e ramos que até então haviam acarinhado e que nessa ocasião sacrificam alegadamente em honra da ressurreição de Cristo (cerimónia tradicionalmente denominada matança dos judeus).

O mistério envolvendo o Baphomet acabaria, inexoravelmente, por contaminar a semântica do objecto nomeado. O vivo debate a que ainda hoje se assiste peca pela monumental efabulação, a qual igualmente tem contribuído para o fortalecimento da quimera forjada há cerca de duas centúrias. Seja como for, investigações recentes sobre fontes islâmicas sugerem que Baphomet pode, com efeito, derivar do árabe Abufihamat (cuja pronuncia em língua mourisca peninsular soa Buphimat!, com os sentidos Pai, Fonte, sede principal da Compreensão. Uma expressão derivada, Ras-el-fah-mat, significando Cabeça de Conhecimento, refere-se, por sua vez, à capacidade mental do homem depois de a sua consciência ter sofrido um aprimoramento. A um tal processo se reporta precisamente a expressão «Eu construo uma cabeça», usada por algumas escolas sufis.

De resto, o tema da cabeça prodigiosa, tão frequente no imaginário medieval, dificilmente poderá passar despercebido. Quem não terá ouvido falar de cabeças santas, cuja fama lendária ocorre um pouco por todo o espaço ibérico, mesmo em contextos não-templários, ou não conheça relíquias ciosamente guardadas dessa parte, a mais nobre do corpo humano?

Por seu turno, o monumento mais representativo da mística judaica peninsular, o muito justamente afamado Livro do Esplendor (Sepher ha-Zohar), afirma ser a cabeça o Ponto Supremo, porque é a partir dele que principiam os mistérios inteligíveis, posição similar à exposta no Timeu, diálogo onde Platão considera a cabeça a parte mais divina do corpo humano por aí se situar a sede do Intelecto.

Mas até de um papa, Silvestre II, se conta, o que o Liber Pontificalis (Biblioteca Vaticana) corrobora, que terá fabricado, entre outros objectos mágicos, uma cabeça de bronze, no que seria imitado por Alberto Magno, o qual terá gasto 30 anos a construir um objecto análogo que S. Tomás de Aquino quebrou porque falava demais!

Curiosamente, os termos árabes para conhecimento e compreensão, conotados com aquele usado para designar a cabeça, derivam de uma raiz linguística que é comum aos vocábulos também árabes "preto" e "carvão". Daqui a associar-se a cor preta, distintiva do princípio divino, à cabeça, sede desse mesmo princípio, vai um curtíssimo passo.

Na realidade, a Cabeça de Preto, peça heráldica relativamente rara mas presente no brasão de Hugues de Payen, fundador dos Templários, no dos descobridores Fernão Gomes da Mina e Diogo de Azambuja, entre outros, tal como as Cabeças de Mouro e de Turco, esta timbre do brasão de Vasco da Gama, são na linguagem dos símbolos alusão ao centro espiritual primordial e, concomitantemente, figura evocadora da iniciação dispensada por esse centro.

Num tal contexto, ganha pleno sentido a demanda e posteriores contactos com os Nestorianos, ou Cristãos de São Tomé, prosélitos da Igreja de Melquisedeque, o Preste João dos anais portugueses, rei-sacerdote, presbítero da Paraclética Igreja Oculta do Discípulo Amado e iniciador supremo. Entre esses cristãos do Oriente, o acesso ao sacerdócio pressupunha uma transmutação da consciência que culminava num complexo cerimonial litúrgico. A benção com o ceptro realizada pelo Menino-Imperador durante o Auto do Império equivalia então ao toque no mesmo local (o Olho de Xiva da tradição hindu) com um ferro em brasa que queimava a carne até ao osso, constituindo um autentico estigma. Uma tal operação era denominada Tomaios, aquilo que a Igreja Grega pala pena de S. João Crisóstomo (Epístola aos Coríntios, I, 4, 12) chama Baphe-Metopon, literalmente Baptismo da Face, a cruz que deve ser impressa na testa, sinal da iluminação verdadeira, da visão de Deus face a face ou sub specie aeternitatis, enfim da superação da dualidade, manifestada na iconografia tanto pelo estrabismo como pela convergência ocular dos Bom Jesus siríacos aos góticos, das esculturas do Aleijadinho, da representação dos Místicos e do Homem dependurado das raízes da àrvore Seca da janela do baixo-coro manuelino do Convento de Cristo.

Esse sacramento, espécie de crisma, é distintivo dos eleitos e garantia da sua salvação. É, de resto, o que se depreende de uma passagem do Apocalipse do vidente de Patmos:

E o quinto Anjo tocou a trombeta e vi que uma estrela caiu do Céu na Terra e lhe foi dada a chave do poço do abismo. E abriu ela o poço do abismo; e subiu fumo do poço, como fumo de uma grande fornalha. E se escureceu o Sol e o ar com o fumo do poço. E do fumo do poço saíram gafanhotos para a terra e lhes foi dado um poder como têm poder os escorpiões da terra e lhes foi mandado que não fizessem dano à erva da terra, nem a verdura alguma, senão, somente, aos homens que não tem o sinal de Deus nas suas testas.










Sinarquia, Auto do
Império e iniciação



Adivinham-se sub-reptícias conotações entre o ideal sinárquico dos Templários, isto é, a sua
demanda da equidade universal, com a doutrina derivada do pensamento do cisterciense Joaquim de Fiore e popularizada pelos espirituais franciscanos. De outro modo, como justificar que os mesmos monarcas que protegeram os Templários se tivessem empenhado na difusão do joaquimismo, cujos princípios religiosos, éticos e políticos se baseavam na ideia de que a História não envelhece, sendo constituída por três momentos distintos e consecutivos, correlatos das três pessoas da Trindade, fazendo-se pura como os meninos para ganhar o Reino dos Céus. Foi o que, como é público, imortalizou Santa Isabel e D. Dinis. No século XIV, o enlace de ambos deu ao projecto joaquimita, que já tinha livre curso em Portugal, novo alento. Preludiando a concretização da Era do Espírito Santo e consequente quebra da influência da Igreja Romana ou do Filho, que, por seu turno sucedera à do Pai, sediada em Jerusalém e vivida sob o influxo da lei mosaica, toma espantoso incremento e festiva grandiosidade a representação do Auto do Império do Paracleto. Devido ao proselitismo de D. Isabel, em quem, nas palavras do cronista Rui de Pina, [...] a graça do Espírito Santo de que era acesa de todo causava [...] um louvado sossego e grande devoção [...], e dos Franciscanos, que constantemente a rodeavam, a devoção da terceira pessoa na forma de Império alastra a praticamente todo o espaço nacional, comemorando o período da Páscoa Rosada, ou Pentecostes. E, salvo adaptações regionais sem particular significado, foi assim ininterruptamente no período compreendido entre o século XIV e a primeira metade do XVI, curiosa coincidência com o apogeu da expansão portuguesa liderada pela Ordem de Cristo, circunstância que fez Jaime Cortesão declarar achar-se firmemente convencido de que o culto do Espirito Santo foi a forma típica e especificada que tomou a fé em Portugal durante um certo período e que explica em boa parte a sua história.

Perante este quadro, será de toda a conveniência apurar quais, efectivamente, os pontos de contacto existentes entre a doutrina secreta dos Templários e a devoção ao Paracleto sob a forma exclusiva que assumiu em Portugal.
Convém recordar, entretanto, que uma autêntica doutrina secreta implica a vigência de uma tradição. Esta, apesar de poder assumir diferentes roupagens consoante os lugares e as épocas, difere do estereotipo folclórico, porquanto, ao invés dele, pressupõe uma pedagogia transmutacional sistematizada e adequada aos fins em vista. Além de que implica a existência de uma elite oclusa a quem compete preservar (inviolável e sem soluções de continuidade) um conjunto de meios consagrados que garantam a tomada de consciência de princípios imanentes de ordem universal, bem como proceder à sua gradual e escalonada transmissão e revelação. Uma adequada definição do conceito deverá, justamente, implicar uma filiação ao espiritual de mestre a discípulo, uma influência formadora análoga à vocação ou a inspiração, tão consubstancial ao espirito quanto a hereditariedade ao corpo.

A uma tal dispensação se dá o nome de iniciação. A Fernando Pessoa encarrego de esclarecer em que consiste:

Iniciar alguém é conferir-lhe conhecimentos que ele não poderia obter por si, quer pela leitura de livros, quer pelo exercício da sua inteligência por forte que seja, quer pela leitura de livros à luz dessa mesma inteligência.

Que tipo de saberes confeririam, pois, a encenação do Auto do Império e, de forma bem mais discreta, os mistérios templários ? É obvio que, para desespero da historiografia instalada, não serão as chancelarias as depositárias das respostas. Antes de mais, faz-se mister aprender a compreender os documentos cuja sinceridade se patenteia à vista. Aqueles que, não tendo sido forjados por escribas arregimentados para calar ou deturpar a verdade, exprimem, através da sua conformação aos ritmos cósmicos, o anelo pela Eternidade, o tempo próprio daqueles que da lei da morte se vão libertando.

Uma das mais veementes sugestões quanto à existência de uma doutrina secreta no seio dos Templários Peninsulares é o sirventês de Gil Peres Conde, fidalgo luso ao serviço de Afonso X de Castela:

Nao é Amor em casa de Rei
porque o não pude aí achar
à ceia nem ao jantar.
A estas horas o busquei
nas pousadas dos privados,
Perguntei a seus prelados
por Amor e não o achei.
Têm que o não sabe El-Rei
que Amor aqui não chegou,
que tanto engano dele levou.
E não veio, nem o busquei
nas tendas dos infanções
e nas dos de criações,
e dizem todos: – Não sei.
Perdido é o Amor com El-Rei,
porque nunca em hoste vem,
mas, se dele algo tem,
dir-vos-ei eu onde o busquei:
entre estes frades templários,
porque já aos hospitalários
por Amor não perguntarei.

Mas que espécie de Amor – para mais grafado com A maiúsculo – poderá ser este que o jogral só logrou encontrar entre os membros da Pobre Milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo e do Templo de Salomão? Que mensagem cifrará o temerário amoroso e pastoril do Trobarclus galaico-português de que D. Dinis foi, nunca será demais recorda-lo, um exímio cultor? E não é verdade que, acompanhando o apogeu da expansão marítima portuguesa, os mesmos motivos transmigrariam, sendo retomados quase até a exaustão?

O Amor em questão não pode ser outro senão o Amor iniciático, antagónico da cupiditas temporalia, a Gaia Ciência neo-platónica e frequentemente anti-Roma dos jograis, vigiada de perto pelo Santo Oficio por heterodoxa, como não se inibirá de advertir Sá de Miranda na Écloga Basto quando diz: O entendimento que é nosso não no-lo querem deixar. Tópicos tão comuns como o do banho e da lavagem ou purificação na fonte dos cabelos, garcetas (tranças) e camisas alvas, em associação com as dõas, ou Laços de Amor (cintas ou fivelas, ataduras, atilhos, fios e sirgos, laços, nós e cordas), que ligam, atam ou cingem os cabelos e camisas, adquirem inesperado significado se perspectivados em função das acusações proferidas contra os Templários. De resto, o tema do encontro dos namorados junto a uma fonte, cujo paradigma é a poesia bíblica (Salmo XLI), recebe a definitiva consagração no episódio em que Jesus e a Samaritana (joão, IV, 25 – 26) se detêm sofrendo de Amor na Fonte de Jacob.





A intromissão do cervo (tão grata a Pero Meogo, D. João Soares Coelho, D. Dinis, Estevão Coelho, Camões e também assinalada na lenda do templário D. Fuas Roupinho) confere ao cenário, de notória inspiração gnóstica, o sentido derradeiro que lhe convém. A iniciação proposta é agora, sem margem para duvidas, sancionada pelo centro espiritual supremo, porquanto o animal protagonista transporta nas hastes a réplica simbólica da Árvore da Vida, ou Eixo do Mundo.

Qual, todavia, o papel reservado aos Laços de Amor ?

Subjacentes ao conceito de ligação, são discerníveis dois níveis de significação fundamentais: um de feição apotropaica, como meio de ataque e de defesa contra enfermidades, sortilégios, etc., e outro eminentemente cosmológico. Neste específico e derradeiro contexto, a cordoalha e a malha ou rede denotam, à imagem do Agrénon de Delfos, a subtil textura que liga todos os planos e estados de existência entre si e ao próprio Princípio, como parece depreender-se da seguinte passagem de Oseias (XI, 4): Eu os atraí com as cordas com que se atraem os homens. com as prisões da caridade.

No que concerne aos nós e aos laços, eles tendem à conservação da força mágico-vital cósmica, o princípio vivificador que a língua hebraica grafa na raiz Hou e o platonismo e o neoplatonismo consagram sob a designação de Anima Mundi. Embora num registo diverso, Aristóteles vem ao caso ao admitir que em toda a tragédia há o nó e o desenlace. O nó é constituído por todos os casos que estão fora da acção e muitas vezes por alguns que estão dentro da acção. O resto é desenlace. Digo, pois, que é nó desde o princípio até àquele lugar onde se dá o passo para a boa ou má fortuna; e o desenlace a parte que vai do início da mudança até ao fim.


Concretizando a lição do mestre, Alexandre, discípulo do Estagirita, desenlaçou o próprio destino ao cortar com a espada o nó górdio, único obstáculo que entravava a consumação do oráculo quanto a tornar-se senhor da Ásia. Seja como for, o Laço de Amor é um elemento omnipresente na iconografia de todas as religiões. Das estatuas Thoracatas das divindades e imperadores romanos, as quais ostentam cinturões atados sobre a couraça com uma laçada simétrica, se contaminaria o cristianismo, que persistiu na sua manutenção como distintivo hierárquico exclusivo do sacerdócio, com a função de arregaçar a Alva à cinta sob os paramentos. Sinal do vínculo, ligadura e subordinação ao sagrado, ao seu Amor e redenção (Job, IV, l2), o uso desse cíngulo em torno dos rins (sede dos humores libidinis estendeu-se a santos e heróis, autênticos campeões do entrosamento das potências da alma (Memória, Entendimento e Vontade), condição sine qua non para o acesso à imortalidade virtual, suscitada pelo alumbramento do Amor unitivo.

Um achado arqueológico realizado no decurso de escavações empreendidas no mais aureolado de quantos lugares abrigaram no nosso país a Ordem do Templo: o Castelo de Almourol, vai justificar muito do aqui dito:

Aí foram resgatadas, em l899, 22 placas destinadas a ornamentar os peitorais ou gamarras dos arreios, cuja análise desmente quantos ainda crêem, ao arrepio da tradição, quer oral, quer escrita, não passar de romântica fábula aquele pego no Tejo ter servido de palco a Cortes de Amor. Nunca, que se conste, foram extraídas quaisquer ilações do achado, simplesmente alvo de uma nota técnica por parte de Garcez Teixeira. As peças em apreço, que se crê possam remontar aos séculos XIV e XV, são circulares, recortadas em cobre e esmaltadas a azul e ouro, e os caracteres, unhos abertos a buril. Com base no supracitado registo, eis a descrição daquelas que legitimam a interpretação que se propõem: 1) Ao centro, um cavaleiro com armadura completa, excepto o elmo, e com espada ajoelha voltado para a direita, de mãos postas. Diante de si, uma dama, de pé e em cabelo, com longo vestido, levanta com as duas mãos um elmo para o colocar na cabeça do cavaleiro. À retaguarda deste, vê-se, espetada no solo, uma lança com bandeirola triangular ostentando uma pequena cruz ao centro. Mais atrás, avistam-se a cabeça e os quartos dianteiros do cavalo, distinguindo-se perfeitamente as rédeas, o freio, as faceiras e a testeira. Completam o desenho uma árvore cuja copa surge sobre a cabeça do cavaleiro e uma outra mais pequena por detrás da dama. Na orla, a legenda: + AMO RVOU ME UACO FICA O CORACOM MEU; 2) Tomando quase toda a altura, uma dama, de frente, com vestido de mangas perdidas, agarrando com a mão esquerda uma flor cuja haste e folhas ocupam o lado direito do círculo. A mão direita está na cintura. Aos pés, um grande leão deitado. O outro lado do círculo é ocupado por outra planta de folhas largas. Uma fita que se apoia por um extremo no peito da dama diz: TEXER AMOR.




O "Tomaios", S. Tomé
e Tomar





Mediante uma prática muito grata ao pensamento simbólico, a metonímia. (isto é, o emprego de um termo por outro), torna-se lícito acrescentar que o Tomaios, ou Baptismo da Face, evoca o Apóstolo Dydimus, o Gémeo de Jesus, S. Tomé, Tôma em aramaico e, naturalmente, Tomar, cuja Charola tem por orago S. Tomé de Cantuária (Thomas Beckett), assim baptizado por ter vindo ao Mundo a 21 de Dezembro, dia de S. Tomé Apóstolo, de quem se pode considerar o reflexo imaginal. Em qualquer caso, não deixa de ser sintomático que um dos portugueses mais devotamente fiéis do Apóstolo S. Tomé, patrono dos arquitectos e geómetras, tenha sido administrador da Ordem de Cristo. É óbvio que se alude ao infante Henrique de Sagres, o qual deixou expressa tal ideia no seu testamento, acrescentando que a sua devoção se estendia igualmente a Senhora Santa Maria e ao Divino Paráclito.

Note-se que já o cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira afirmara do Navegador que ele fora alumiado da graça do Espírito Santo e movido por divinal mistério, constatação, se bem que hagiográfica, implicitamente admitida no mote da sua empresa pessoal Talent de bien faire. Tem todo o cabimento o juízo de Fernando Pessoa a propósito dos três possíveis níveis de significação dele:

l) Executar com a máxima perfeição

(bien faire) e inteligência (talente) todos os
actos da vida e, sobretudo, todos os
actos da vida superior.
2) Fazer o bem.
3) Criar a vinda do Bem.

Nesse mote se condensam, efectivamente, as linhas mestras do programa da epopeia marítima portuguesa. Motivada por expectativas milenaristas e messiânicas colectivas, sincreticamente compendiadas no Auto do Império, a gesta marítima resolve-se na demanda do Paraíso perdido, esse Centro Espiritual supremo só alcançável, como ensinam escritos espirituais medievos como o Conto do Amaro, a Navegação de S. Brandão, o Livro de José de Arimateia ou o Orto do Esposo, pelo nauta audaz que, em demanda do seu destino, embarque nas naus da iniciação e empreenda a travessia do Oceano da Alma, modelo dos oceanos do Mundo, para dilatar Fé e Império.
Exactamente porque o trabalho das armas contra infiéis e por serviço de Deus, que é fama ter sido uma via de redenção exclusivamente guerreira e colectiva, não passava para os iniciados da Ordem de Cristo da vertente exterior e esotérica da Cruzada, a qual foi também, e essencialmente, individual, contemplativa e ascética.
Na verdade, a expansão portuguesa não foi nem fruto do acaso, nem um feito político da Coroa ou de cortesãos esforçados, antes a missão de uma ordem iniciática. Por dilatar a Fé e o Império se entenderá então ter ultrapassado, depois de arrostar com toda a espécie de brumas, temporais e contratempos, o tormentoso mar das paixões individuais, condição requerida para passar além do Bojador e descobrir, que o mesmo é dizer desocultar, o Mundo da Salvação, dando testemunho dele.
Não nos faltam em Portugal os exemplos da assunção referida. É deveras sintomática a apologia da Milícia de Cristo apresentada por Gil Vicente no Auto do Inferno, no qual só o Parvo e os quatro cavaleiros da Ordem mortos no ultramar acedem ao paraíso.
Contudo, em nenhuma outra parte como na igreja manuelina do Convento de Cristo, em Tomar, haviam de ser cristalizados tão declaradamente, e, ao mesmo tempo, tão subtilmente, os sinais evoca- dores da doutrina esotérica de que a Ordem, que uma tradição ininterrupta tornou herdeira universal dos Templários, foi a fiel depositaria.
Aí ganha plena expressão a máxima de S. Paulo – Nós agora vemos a Deus como por um espelho em enigmas – ou uma outra do Talmude: Quem quiser perceber o invisível observai o visível. Com efeito, a semelhança da Sagrada Escritura, que há-de ser escrutinada segundo três significações ou sentidos, do mesmo modo a arte nela inspirada estará condicionada pelos mesmos critérios exegéticos: os sentidos literal ou histórico e espiritual ou místico (este subdividido em 3 planos: alegórico ou sentido da fé, tropológico ou sentido moral e anagógico ou sentido escatológico).
Muito a propósito, alerta o professo Frei Isidoro Barreira para a lição implícita num dos motivos mais controvertidos da celebre janela da Casa do Capitulo:
Os segredos escondem-se no coração como as raízes na terra e assim deve estar encoberta a raiz na terra como o segredo no peito do homem; e assim se deve esconder o segredo aos homens, como as raízes aos que passam por cima delas, que vendo a árvore não vêem a raiz em que se sustenta [...].
Como o que se observa na janela não é a árvore, que secou, mas a sua raiz, o segredo desvenda-se a quem o encerre no peito. Em todo o caso, convirá ser perscrutado fazendo extravasar a atenção do observador da mais bela janela de Portugal para a fachada poente, na qual ela se rasga, e desta para a totalidade do edifício que a tem por geratriz e, é indiscutível, constituía um todo legível para o homem de Quinhentos. Uma sintaxe que consegue tornar-se ostensiva confere-lhe uma legibilidade cuja polissemia, tanto formal, quanto de sentido, é verdadeiramente encantatória e apenas se acha condicionada pelo horizonte cultural e a sensibilidade de quem se proponha entrevê-la. Seja como for, a árvore, que a tradição escriturística compara ao Profeta por cujos frutos (ou palavra profética) este se dará a conhecer, tem um papel axiomático, dir-se-ia até genético, na composição da fachada ocidental.

Os botaréus que a confinam lateralmente são troncos, mais aparentados às duas colunas Jakin e Boaz do Templo, onde se fixam as peças heráldicas das duas ordenações hierárquicas ou, como preferiria S. Bernardo, das duas espadas, ou seja, a Espiritual, ou Solar, da mão direita, e a Temporal, ou Lunar, da esquerda.
Assim, à dextra (esquerda do observador) é a árvore da hierarquia celeste, ou Coluna de Misericórdia, que se patenteia: as suas raízes encontram-se semicortadas, manifestando o distanciamento relativamente ao orbe material por parte das coortes angélicas (suspensas, uma vez que não assentam em mísulas), que, por sua natureza especifica de mensageiros, constituem uma cadeia eterna e imutável (que não quebra nem e passível de sofrer ajustamentos), com a função de comunicar ao mundo terrestre a Lei de Deus.
Á sinistra (direita do observador), iconografa-se a hierarquia terrena, ou Coluna de Rigor: estão íntegras as raízes e as efígies representam Anjos Terreais, nome que António Rodrigues atribui aos Reis de Armas, ou Arautos Régios, autênticos duplicados desses seres transfigurados pela graça de Deus em seus lugares-tenentes, com a função de administrarem de acordo com a necessidade e o arbítrio próprio – que o imaginário concebeu como um cinto com fivela – a Lei Divina. Todavia, se a consabida tese do abade de Claraval valoriza a Teocracia papal, cuja infalibilidade advoga, no que foi coadjuvado pela corrente guelfa, em Tomar a perspectiva e diversa. Tudo conduz a poder-se assegurar que se lhe opõe, visto adoptar a perspectiva libelinha, a qual, além de questionar a infalibilidade do bispo de Roma, encarecia a supremacia do imperador e do poder laico sobre o eclesial, numa linha de indeclinável simpatia pelas teses joaquimitas.
Ousaria uma instituição com os pergaminhos da Milícia de Cristo propagandear abertamente tais princípios, habilitando-se a ser arguida de heterodoxa? E não estarei a levar longe demais nas suas implicações o que pode muito bem não passar, como sustenta o pertinaz e ingénuo positivismo de uns quantos, de mera exuberância decorativa?
O documento datado de Almeirim, em 24 de Abril de 1510, onde o Venturoso determina o arranque da obra fornece os indícios de que o monarca se encontrava avisado, se não participara mesmo na elaboração do programa iconográfico dela, o que não deixa de ser compreensível à luz do facto de D. Manuel ser grão-mestre da Ordem patrocinadora dos trabalhos e, mormente, alimentar a hagiografia de cunho providencialista e finalista que o aureolava desde o nascimento, fazendo dele, conforme convinha à profecia de Isaías, quer uma reminiscência dos reis-sacerdotes, quer o carismático e supremo defensor da cristandade, ungido por Deus para cingir a tiara de uma renovada e ecuménica cosmocracia.
A divulgação além-fronteiras do gibelinismo da Coroa Portuguesa na transição do século XV para o XVI pode, inclusivamente, depreender-se de uma gravura alusiva a Portugal que ocorre no Liber Chronicarum (Nuremberga, 1493), de Hartmann Schedell, na qual uma árvore Seca é exibida em primeiro plano como se ela fosse o próprio distintivo do reino. Mas até os momos representados na presença de D. Manuel e da corte aludiam desinibidamente ao tema.
Segundo uma lenda, corroborada por passagens do Livro de Marco Polo e do Livro das Viagens do Infante D. Pedro, composto por Gomez Santisteban (1515), essa verdadeira árvore solar, solque, vasta, alta, duradoura) ou da Vida, ocupante do centro do paraíso terreal. teria murchado no mesmo dia em que Jesus fora crucificado, dando início a um período de decadência só superado quando o homem caído se revestisse das Vestes de Luz do Homem Novo, (S. Paulo, Epístola aos Efésios, IV, 24).
Chegar ao contacto com o Preste João traria à árvore, em cujo reino se situava) o tão desejado viço e asseguraria a consequente reconquista do estado paradisíaco perdido, o Milénio, que o Duque (Dux), ou Senhor Universal, se encarregaria de manter até à consumação dos tempos, isto de acordo com a concepção que faz da árvore da Vida um prémio para os justos.
Em abono da assunção anterior, vem um episódio que vale a pena mencionar.

Foi protagonista dele o infante D. Duarte, irmão do duque de Bragança e futuro D. João IV. Cita-o uma crónica conventual da responsabilidade de Frei Bernardo da Costa. Depois de considerar que a igreja manuelina toda ela está lavrada com particular ideia, prossegue:

[...] No ínfimo desta fabrica [Janela da Sala do Capitulo] está uma estátua [...]. A estátua querem dizer que é representação da Real Casa de Bragança. Sucedeu quando veio tomar o hábito [...] o Infante D. Duarte ao passar pelo sítio desta Janela e demorando-se a vê-la um dos freires que o cortejavam lhe disse como intrometido e com pouca reflexão o pensamento que dissemos da ideia que se faz daquela fábrica. Se é assim, senhor, muito seco está aquele tronco para as esperanças pelo que representa, ao que logo respondeu o Senhor D. Duarte; Não está tão seco que não possa reverdecer e brotar com mais força. Sendo precisamente a Força, com os seus quatro atributos – magnificência, confiança, paciência e perseverança –, uma das acepções do termo latino para Carvalho, espécie vegetal sob cuja copa Abraão levantou o seu Tabernáculo e a Arca da Aliança repousou, torna-se cristalino o motivo da sua eleição para substante do jardim simbólico ali plantado, onde abundam o coral (Corallium rubrum, ou Isis nobilis), árvore Seca marinha consabidamente detentora de propriedades profilácticas e mágicas, e a alcachofra, inflorescência do cardo (Cardum coeli, ou Cardus beneductus, o cardo-santo), a qual é sujeita ao fogo pelo S. João para, no caso de reverdecer, assinalar o cumprimento do anelo de exaltação intima.

Esse jardim simbólico corresponde à representação visual-esquemática do mistério das manifestações do Supremo, tal como a Kabbalah – tanto a judaica como a cristã, tão cultivada na época – o concebe.
Segundo ela, e em traços largos, é através da árvore dos Sefirot, qual Tronco de Jessé, que a natureza divina enviada ao Mundo adquire a sua vertebração.

São três as colunas da árvore dos Sefirot, neste exemplo também elas próprias árvores. Se as laterais, ditas de Misericórdia e de Rigor, tendem a manifestar a intersecção da História Sagrada com a Historia Nacional que os Reis de Portugal, quais émulos dos de Israel, encarnam, a coluna central ou mediana é a via da Glória do Eterno, o Ein-Sof, ou Encoberto ... Nela coincidem, como pólos teofânicos, alfa e ómega, o princípio e o fim, a primeira e a última das dez Sefiras: Kether (a Coroa) e Malkuth, o Reino).
Assim acontece, com efeito, em Tomar. Ao centro, no topo, avista-se Kether Elyon, a Coroa Suprema de Deus, enquanto na base, sob a Janela, o grupo escultórico constituído pela árvore Seca evoca o Reino de Deus, simbolizado pelo seu representante terrestre.
Sobrepondo-se a Malkuth, a nona Sefira, Iesod, (o Fundamento), é claramente assimilável à Janela do Capítulo, a Assembleia das Cabeças (Caput) dos Perfeitos e Justos, obreiros do Reino de Deus à face da Terra e mediadores na transferência da sua luz de oriente para ocidente, direcção cardeal para onde se volta essa que se pode chamar, legitimamente, autêntica Janela do Céu. Aliás, não é aleatória a orientação do edifício, nem tão-pouco a circunstancia de o eixo dele caminhar da Charola, pela sua estrutura intrínseca, síntese da história desde Adão e Eva (os primogénitos isentos de conhecimento ali retratados 16 vezes) e exaltação da Jerusalém histórica, para a igreja manuelina, o Tabernáculo da Nova Aliança. Velando, ou não constituísse ela a vista de Deus, o seu terceiro olho, a sexta Sefira, Tiferet (a Beleza), isto é a Chéquina propriamente dita, é encarnada pela Rosácea, elemento cujo designativo é falante e, formalmente, sugere um vórtice para onde a fecundante espiração do Altíssimo converge compelida pela dupla qualidade divina da Força e da Sabedoria que o Grifo ou Esfinge na sua base, como vigilante dos caminhos da salvação, evoca.
Dante acha-se necessariamente implicado nesta "mostração". A adesão do florentino aos ideais gibelinos serve também de abono ao exercício em curso. Efectivamente, a visão da árvore que reverdece teve-a ele, de acordo com trecho do Purgatório (XXXII, 38, 50, e XXXII, 50-60) da Divina Comédia, a seguir à revelação do rosto da dama sobrenatural (XXXI, l33, l40), a Matrona, Chéquina, ou Rainha dos Anjos (que conduz à árvore da Vida), significativamente comparada ao "esplendor da viva luz eterna", a qual lhe foi mostrada quando via o Grifo que, imutável em si, se transformava na sua imagem reflectida.
Por nunca haver aludido expressamente ao busto sob a árvore Seca, não significa isso que ele desmereça a nossa atenção. Ao invés, a sua presença ali, emanando de uma cordoalha enlaçada e sustentando-se das raízes da árvore murcha do paraíso, só acrescenta verosimilhança a tudo o exposto, porquanto nele se retracta o Novo Adão prognosticado por Esdras, o qual durante três dias aguarda sob uma árvore, ate que uma voz se lhe dirige, proferindo uma frase enigmática: "O mundo está dividido em dez partes e chegou à decima", isto é, atingiu a derradeira Sefira, Malkuth, o Reino, que corresponde aos Tempos Messiânicos.
Apenas convém acrescentar que, na origem, a obra comportava o já referido busto e quatro outras cabeças concebidas para ocuparem posições simétricas duas a duas nas fachadas norte e sul, nesta última. sob as janelas nela delineadas por Diogo de Arruda, coincidindo em qualquer dos casos com os laços da cordoalha que circunda o edifício como para hermeticamente o encerrar e proteger.
Na época, a via exclusiva de acesso ficava sendo o portal sul, concebido por João de Castilho. E mesmo esse não omitia o caracter reservado do recinto, destinado apenas àqueles que o Amor, sugerido pelo Cupido empunhando uma seta na sua mão direita e visível no fecho da arquivolta maior, ferisse para neles suscitar o segundo nascimento ou, na imagética de S. Paulo, o surgimento do Homem Novo a que alude uma fieira de ovos só visível por quem se tenha já internado, leia-se iniciado, no Templo.
Quererá então fazer-se tábua-rasa do tão encarecido simbolismo marítimo manuelino. De forma alguma, porquanto a navegação indubitavelmente constitui o seu cerne, ou não fossem os Cavaleiros de Tomar, à imagem dos Discípulos do Cristo Jesus, pescadores de almas e os seus actos os de novos apóstolos designados por renovado evento pentecostal.
Em consequência, as bóias de cortiça (piecettes) da igreja manuelina de Tomar, sendo flutuadores, são anagogicamente símbolos salvíficos e a cordoalha, remetendo para o apetrecho da faina marítima, não deixa de alegoricamente apelar para a ligadura das três potências da Alma. Contudo, se a corda é símbolo da natureza universalizante, representando a luz ou essência divina. o Amor e a relação com o divino, o laço ou o nó, pressupondo a união das três naturezas manifestadas em todas as coisas criadas por Deus, representa a vinculação ao circuito do espirito mediante voto indissolúvel, o que justamente constitui a via interior mística.






Diversas aplicações, tais como os tectos e pavimentos mudéjares em laceria, as marcas tipográficas de uns quantos impressores de nomeada, o camaroeiro da rainha D. Leonor ou a esfera armilar de D. Manuel, são celebres. Torna-se, portanto, fácil aceitar que as cabeças saindo dos nós em Tomar e os navegadores ligados ao alto ou buscando a esfera do sacral do claustro dos Jerónimos não se ficam a dever a mero recurso formal retratístico (no que afinal vieram a tornar-se). E por análoga soma de razões nem mesmo as 204 insistentes legendas contidas em duplos laços de amor do portal das Capelas Imperfeitas hão-de continuar a ser consideradas única e exclusivamente a divisa do Eloquente.
Neste contexto, em que a literatura de ideal atinge o seu clímax, sequela de um ambiente prenhe de antevisão e do sentimento de que a descoberta do Novo Mundo indiciava a derradeira reforma do género humano e o Juízo Final, que outras razões senão o romanismo exacerbado de D. João Ill o terão movido a entregar nas mãos do celerado Frei António de Lisboa o destino da coluna vertebral do reino; a Ordem de Cristo ? A reforma por ele perpetrada em 1529 baniu, chegando a persegui-los, alguns dos mais distintos dignitários da ilustre cavalaria que se opunham a que fosse transformada em freiria de clausura, como finalmente veio a acontecer.
Assistiu-se então à sistemática destruição de tudo quanto pudesse sugerir as glórias transactas quer do Templo, quer da Ordem sua sucessora. Com esse objectivo, os arquivos documentais foram quase integralmente desbaratados no decurso de autênticos autos-de-fé que tiveram lugar enquanto se procedia, na impossibilidade do seu total apeamento, à substituição ou acrescentamento por sobreposição de parte significativa da obra construtiva promovida por D. Manuel no óbvio intuito de lhe retirar coerência ou até subtrair à vista.
Inserem-se estes episódios num bem mais vasto programa que, em última análise, se cifrou no desvirtuamento do anelo de fraternidade universal e de ecumenismo cultural mediante a instauração do absolutismo religioso, do centralismo monárquico e aristocrático e, nomeadamente, da relação pregada nos púlpitos pelos agentes do Santo Ofício.
Percebe-se assim o acerto da análise do professos Agostinho da Silva quando afirma que o Brasil "não foi um território que Portugal submeteu; foi o generoso acolhedor de todos aqueles que não queriam submeter-se a Portugal.


Do Templo aos
Cavaleiros do Amor



A popularidade do tema da Cavalaria Espiritual no Portugal quinhentista depreende-se de um leque de situações e atitudes muito variadas. Uma das espressões mais insólitas é-nos facultada pela voga de um episódio bíblico cuja hermenêutica nunca foi pacifica. Alude-se à cana do Encontro de Abraão com Melquisedeque.

Em S. João Baptista de Tomar, guarda-se aquela de entre essas tábuas que inequivocamente sintetiza o sentido derradeiro da missão de que Portugal, o Alferes da Fé no entender do avisado Gil Vicente, se viu investido por haver protegido a Ordem do Templo, impossibilitada, na sua forma original, de fazer jus ao compromisso assumido aquando da sua constituição, o qual consistia:



1) Trabalhar por oferecer novos mundos ao Mundo, estimulando o contacto das suas desvairadas gentes para que, animando-se pela miscigenação rácica, a substância vital em cada ser passasse a constituir o suporte de um renovado biótipo de humanidade;




2) Empreender a unificação de todos os credos numa religião sem credos que haverá o nome de Quinto Império. Que outro papel senão o de anuncia-lo caberá aos representantes das três religiões do livro – um judeu, um muçulmano e um cristão –, que são visíveis assessorando o guardião do Graal, o vaso onde se recolhe o sangue, esse tão especial fluido contendo em si todas as modalidades passíveis de propiciar a transmutação do ser ?

Este pormenor não poderá ter deixado de constituir matéria para meditação, inspirando a actividade desenvolvida pelos afiliados na Milícia de Cristo, mesmo após a reforma desta em 1529. É que, apesar de mais uma vez abalada na sua estrutura, a Ordem Templária de Portugal não interrompeu o seu magistério. Perpetuou-o pelo menos até ao ano de 1888, é bem de ver em círculos reduzidos e no meio de apertadas medidas de segurança, porquanto os cães ladradores do Santo Oficio vigiavam.

A literatura bucólica e pastoril portuguesa dos séculos XVI e XVII parece não constituir outra coisa senão o registo dos capítulos desses pastores e ovelheiros enamorados de Deus. Fernão Alvares do Oriente (1540 – 1595) legou-nos na sua Lusitânia Transformada o que pode ser considerado a acta dos importantes conclaves iniciáticos de Tomar.

Num cenário adjacente ao Convento de Cristo, a mata dos Sete Montes, surpreendem-se furtivos e sob os auspícios da noite, os passos daqueles que Faria e Sousa apelidou de Nova Cavalaria e Sampaio Bruno de Cavaleiros do Amor.

Salvo as excepções que confirmam a norma, a critica tem-se mostrado desatentíssima no que respeita aos conclaves descritos por Fernão Alvares do Oriente, sobretudo porque o cenário onde tem lugar é um espaço ocupado pelo mistério. O autor da Lusitânia Transformada, titulo obviamente alusivo a uma desqualificação da grei (desconcerto do mundo) cujos contornos se inferem do argumento, retracta as adjacências do Convento de Cristo com o característico da Arcádia:
[...] Bem junto à ribeira do antigo Nabão, a par de um lugar fresco, a que os seus moradores por justa ocasião chamaram os Sete Montes, porquanto sete montes o rodeiam todo, está uma floresta tão oculta aos olhos dos pastores, que parece que não só à vista, mas também aos pensamentos se nega entrada nela. Habitavam juntas neste sítio muitas Ninfas que, consagradas ao exercício de Diana, se negavam à comum ocupação da gente, fazendo de si ao Céu, sacrifício perpétuo e consigo oferecendo à vista cá na terra um retracto natural do mesmo Céu.
Uma tal paisagem, émula do Paraíso, tem sido tradicionalmente associada aos ritos iniciáticos dos Templários e ao seu mítico tesouro. Alguns autores cifram-no em dezenas de milhares de francos-ouro, estimando-o com base nos rendimentos arrecadados durante cerca de dois séculos e provenientes de bens imobiliários, doações, despojos de guerra, actividade bancaria, fiscal e comercial.
Porém, se a extinção do Templo não trouxe benefícios quer à Coroa Francesa, quer à Ordem do Hospital, uma vez que os agentes de Filipe, o Belo, jamais lograram apoderar-se do que quer que fosse, (salvo os consideráveis bens imobiliários da instituição), onde se encontravam as fabulosas riquezas atribuídas à Milícia ? As hipóteses aventadas de se encontrarem escondidas em Chipre, na floresta do Oriente, na Comenda de Charentes, no Castelo de Arginy (Ródano), em Inglaterra ou na Fortaleza de Gisors nunca produziram qualquer resultado palpável. Segundo o depoimento do Irmão Jean de Châlons, de Nemours (diocese de Troyes), três carroças de palha puxadas por 50 cavalos saíram, a 12 de Outubro (véspera da prisão dos cavaleiros pelos esbirros ao serviço de Filipe, o Belo), do Templo de Paris, conduzidas por Hughes de Châlons e Gêrard de Villers, transportando Tolum thesaunm Hugonis Peraldi [Hugo de Pairaud, grande visitador de França]. Seguiram, ainda conforme um testemunho citado por Gerard de Sede, em direcção à costa, onde eram aguardados por l8 navios da Ordem. Qual o seu destino: Escócia ou Portugal ? Uma passagem sibilina das Centúrias de Nostradamus refere-se a um prodigioso tesouro templário que se presume possa vir a ser encontrado em território peninsular:
Posto tesouro templo citadinos Hespéricos Neste retirado em secreto lugar: O tempo abrir os laços famélicos Retomam, arrebatadas, presa horrível no meio.
Será licito supor um nexo entre tais especulações e as obras ditas de restauro e reintegração que serviram como fachada às pesquisas efectuadas nos principais monumentos do Templo em solo português durante a década de 30 ?
Dada a circunstância de terem contado com o concurso e supervisão técnica de cidadãos alemães, geralmente enquadrados por germanófilos locais activistas da Legião Portuguesa (o padre José Guilherme citou os nomes de Antunes da Silva e do então pároco dos Casais, Junceira, José Francisco), que, como se sabe, foi o caso de Tomar, o quesito ganha consistência, porquanto é público o Reich de Hitler ter estado implicado na caça aos tesouros templário e cátaro.
Não é, entretanto, ocioso recordar, glosando Plutarco, que nem o ouro nem a prata fazem a felicidade dos Deuses, nem o trovão e o relâmpago provam o seu poder, antes a ciência e a sabedoria, por outras palavras, não é suposto, ou mesmo plausível, que o tesouro Templário fosse exclusivamente constituído por metal sonante. As cerca de 9000 comendas que detinha dão uma ideia do poder dos Templários. Os arquivos do Templo volatilizaram-se quase por completo e pode imaginar-se o volume que representariam. O que resta da contabilidade é insignificante, apesar do papel primordial que o tesoureiro detinha na Ordem Aliás, se transferido para Portugal, é improvável que o tesouro tivesse sobrevivido à administração do infante D. Henrique.
Sendo assim, o móbil das buscas teria de ser diverso. Inspirado, porventura, naquele que originou as diligências compreendidas pela Companhia de Jesus com vista, à extinção canónica da Ordem de Cristo. Com efeito, só Frei Duarte de Araújo, enviado de emergência a Roma, impediu que os Jesuítas entrassem automaticamente na posse administrativa dos Conventos de Tomar, Coimbra e Luz.

Que faria correr os Inacianos?
Que descobrira a Companhia de Jesus em
Tomar capaz de desencadear uma cobiça tão descarada ?
Que magno arcano ocultaria a capital da Ordem Templária de Portugal?


Tomar, nova Jerusalém,
capital do mistério

Tomar reúne todos os principais requisitos que tornam sagrada uma cidade. À semelhança de outras cidades sagradas, como Roma, Constantinopla ou mesmo Lisboa, Tomar dispõe-se sobre sete colinas, andando a significativamente intitulada mata dos Sete Montes associada aos conclaves iniciáticos dos Templários e ao seu enigmático tesouro.

O doutor Pedro Álvares regista, no século XVI, a justificação apresentada Inquirições de D. Dinis, depois muito glosada, sobre como os Templários se haviam instalado em Tomar. De acordo Com ela, tendo aquele monarca mandado proceder a inquirições no ano de 1317 sobre quem fundara o primeiro povoara o sítio, Domingos Pais Roussado, morador e vizinho da então vila afirmara que o mestre com os freires vieram àquele lugar convém a saber onde agora está Santa Maria de Tomar e acharam que fora povoada de antigo (...) e então o dito mestre mandara lançar sortes (...) e lançadas sortes três vezes caíra a sorte naquele monte onde agora se vê o Castelo de Tomar e que então se acordaram que povoassem naquele monte (...)
O que convém reter é, sobretudo, a referência à prática do lançamento de sortes, a qual indicia a inequívoca adopção de critérios geomânticos e, por consequência, também a utilização de determinadas regras astronómicas consagradas pela tradição. De resto, do mesmo tipo daquelas que, posteriormente, capacitariam os navegadores da Ordem de Cristo a estimar e traçar as rotas das suas empresas marítimas !
Desde o século XII e até Quinhentos, a história urbana de Tomar não se pode desligar da acção de Gualdim Pais, do infante D. Henrique e de D. Manuel I. O grão-Mestre templário foi quem esboçou um primeiro plano de urbanização geometrizante na Vila Baixa, entre a Ribafria.






O Infante desenvolvê-lo-ia, lançando nessa área uma malha ortogonal percorrida por artérias perpendiculares ao rio, e, simultaneamente, transferiria a Domus Municipalis do Chão do Pombal para a Praça de S. João. O engrandecimento de Tomar, verificado a partir de 1417, será impulsionado ainda mais por D. Manual I. Com o seu programa construtivo, ficarão em definitivo assentes as coordenadas que tornam a capital da Ordem de Cristo, de que foi o primeiro monarca grão-mestre, o reflexo imaginal do pólo teofânico conjuntamente venerado por judeus, cristãos e muçulmanos; isto é, a Santa Cidade de Jerusalém. Não falecem os argumentos probatórios da translação.
Aquele mais frequentemente invocado para ilustrá-la é a Rotunda, ou Charola, cujo arquétipo se adivinha na Cúpula, (Kubat-Açacra) edificada pelo califa omíada de Damasco Abd-al-Malik 691), e, significativamente, glosa constante na pintura parietal do Santo dos Santos de Tomar.
Todavia, os paralelismo não se quedam por esta tão apregoada constatação memorando o primitivo Templo de Salomão, em Jerusalém. Pois se, em Jerusalém, o vale de Josaphal e o curso do rio Cedron separam a cidade do monte das Oliveiras, em Tomar o vale destinado à urbe, percorrido pelo rio Grande, aparta a Casa-Mãe Provincial dos Pobres Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo da sede do nullius diocesis de Nossa Senhora das Oliveiras, ou do Olival, sita a nascente, como o monte palestiniano homónimo.
Sendo assim, torna-se evidente por que motivo a Horta dos Frades e os seus moinhos-lagares adjacentes, no sopé de Nossa Senhora do Olival, são réplica do Horto das Oliveiras ou de Getsemani, isto é, literalmente, da prensa de azeite, canário da prisão de Jesus (Mateus, XXVI, e loucas, XXI).
Do mesmo modo, não deixa de ser significativa a ambiência lendária (que busca legitimidade em S. Frutuoso, S. Martinho de Dume e Paulo Orósio) cujo pólo e a enigmática figura de Santa Iria. A hagiografia cristã não-apócrifa só conhece uma Iria canonizada, e essa viveu e foi martirizada em Tessalonica, na Grécia. Não obstante, aponta-se como tradição, documentada desde o século XIV, que o seu martírio terá ocorrido junto das margens do Nabão, numa cidade denominada Nabância, da qual são omissas todas as fontes e autores antigos que se ocupam da descrição do território peninsular sob os domínios romano, visigótico ou qualquer outro.
A aparente teimosia. de alegar tal martírio na Lusitânia, no local onde se situa o pego dito de Santa Iria, parte integrante do seu extinto convento, dá que pensar. Não se estará perante a invenção ou adequação de um relato hagiográfico a circunstancias que, dessa forma, envoltas pelo sagrado, se haviam de perpetuar mais facilmente, transmitindo às gerações vindouras um conhecimento capaz de ser descodificado por quem fosse detentor da chave simbólica para a sua interpretação? Sobretudo porque é nas Inquirições de D. Dinis (1317), a propósito da instalação dos Templários ali, que pela primeira vez surgem o seu nome e respectiva hagiografia relacionados com Tomar.
Dado que o antropónimo Iria, ou Irene, deriva do grego Eirené, não se pretenderá, ao reporta-lo a Tomar, aludir a contactos com Bizâncio ou com o Oriente, se se considerar a hipótese de o nome da santa ser uma simples cristianização de Oureana, a Fátima Muçulmana ?
Não é esta a ocasião indicada para analisar detidamente uma lenda semanticamente tão rica quanto esta, contudo será conveniente salientar alguns aspectos cuja simples enumeração é capaz de permitir vislumbrar alguns dos sentidos em que é legítimo encará-la:
a) A palavra grega Eirene significa Paz, tal como o termo Jerusalém, conceito simbolizado pelo ramo de oliveira (Santa Maria do Olival), de cujo fruto se obtém a Luz (física porque alumia e espiritual porque unge), e pela pomba do Espírito Santo (Charis, a graça ou dom divino);
b) Iria é filha dos nobres Hermígio e Eugenia, por outras palavras, de Hermes e da Filha do Génio ou Espírito do lugar (de nobre raça, de alta estirpe ou bem-nascida, Gea ou Deméter, a deusa-mãe), e sobrinha de uma Casta e de uma Júlia (do grego linda);
c) Iria é monja beneditina – alusão directa ao parentesco entre os monges de S. Bento (olivetanos, cujo cenóbio originou Santa Maria do Olival), ao culto das estrelas, de Mitra e à demanda do Graal de uma comunidade chefiada pelo abade Célio (Celeste, mas também o que cobre ou oculta), homónimo do rei de Elêusis, que ali recebeu Deméter (Ceres), e denominação análoga á dos sacerdotes, Selli, que, em Dodona, no templo do famoso Oráculo de Zeus, interpretavam os desígnios deste pelo rumorejar dos carvalhos sagrados;
d) Iria é decapitada (apunhalada, segundo outra versão) por Banão, nome originado pela desordem das silabas de Nabão (palavra cuja raiz, nab ou nav, significa tradição, e, por conseguinte, adequado ao destruidor da ordem tradicional encarnada pela mártir.
Consta ainda que em redor da Igreja de Santa Maria do Olival existiam antigamente muitas casas em cujas pardieiras das portas se via um boi gravado em alto-relevo, como aquele que, encontrado durante a abertura da estrada ligando Santa Iria a Santa Maria do Olival, foi colocado no cunhal do pego.
Qual o significado dessa peça aparentemente paleocristã ? Que relação poderá ter com o antigo ditado tomarense: Pela Santa Eireia, toma os bois e semeia ? E com a configuração do castelo de Gualdim Pais, que evoca a constelação do Boieiro (Bootes) ?
Tudo isto dá, efectivamente, muito que pensar. Designadamente, se não terá Sellium abrigado um colégio sacerdotal encarregado do culto de Mitra ou qualquer outro de cariz mistérico.
Outras circunstâncias notáveis poderiam ser trazidas à colação, todavia convém, antes de tudo o mais, recordar algumas particulares minúcias relacionadas com a doação do Castelo de Cera à Ordem do Templo por D. Afonso Henriques para demonstrar documentalmente que aquela designação só ao Castelo de Tomar convém.
Note-se que se usa a grafia Cera em vez de Ceras, preferida, a revelia da evidência documental, pela maior parte dos autores.
Além da já apontada (que não é a menor), uma soma de outras razões assiste à opção, as quais será de toda a conveniência enumerar.
A Gilberto de Hastings, bispo de Lisboa, pertenciam, conforme uma composição de 1147, Lisboa, Sintra, Leiria e Scalaphio e, a sul do Tejo, Alcácer, Palmela e a região de Almada. Santarém constituía um isento, ou nullius diocesis, a favor do Templo, ficando, portanto, excluído da diocese de Lisboa.
O prelado inglês decidiu passar a reivindicar a sua jurisdição sobre esse eclesiástico, cedido por Afonso Henriques aos Templários para os recompensar pelo auxílio que haviam prestado quando da expugnação da praça. Alegava o bispo de Lisboa que, face ao direito canónico, a competência do apenas abrangia a doação de bens temporais, nunca a dos espirituais.
A disputa prolongar-se-ia durante anos, até que, por mútuo acordo, celebrado em 1159, o bispo e o Templo concordaram trocar Santarém (com excepção da igreja de Santiago, sita no arrabalde, a qual permaneceria no posso no Templo) pelo Castelo de Cera, decerto, como sublinha frei Bernardo da Costa, "coisa estimável, grande e de consequência pois o Rei o deu como não só o equivalente de todos os Templários cederam ao Bispo de Lisboa e deixaram em Santarém (...), mas que também pela mesma era a doação prémio dos grandes serviços recebidos dos Templários.
Em 2 ou 3 diplomas produzidos relativos a tal escambo, as estremas do território vêm descritas de forma diferentemente, facto que nunca suscitou qualquer reparo dos investigadores.
No documento de doação do temporal de Cera (por parte de Afonso Henriques), os limites são estipulados a partir do Zêzere, mais precisamente a partir do porto de Kaiis (junto da foz do Codes), pelo meio da estrada, ao Mosteiro da Murta (ruínas do Mosteiro de S. Domingos, entre o actual rego da Murta e a serra de S. Saturnino), continuando pelo ribeiro da Murta abaixo, pela Fraxineta (ribeiro formado pela junção das ribeiras da Murta e daquela que vem das Feteiras, desaguando a cerca de 3 km a sul da Freixianda), até ao Porto de Tomar, que é na estrada de Coimbra que vai a Santarém. Prosseguia depois pelo meio da estrada nos cimos da margem direita da ribeira da Beselga até ao Tomar (Nabão) e depois por este rio abaixo até ao Zêzere e logo por este rio acima até ao porto de Kaiis. Por sua vez, a estrema do isento doado por D. Gilberto iniciava-se numa localidade denominada Porto de Tomar e situada na margem esquerda do rio Tomar, junto à actual povoação de Formigais. Seguia depois pela estrada que desde Coimbra se dirigia para Santarém, atravessando no porto de Ouréns (a ribeira de Ceiça) junto à actual povoação homónima e daí continuava pela mesma estrada até a sumidade da Beselga (montes do Furadouro), sita entre a Beselga de Cima e Moreiras Grandes. Depois, seguia pela margem direita da ribeira da Beselga até ao rio Tomar e dai pelo rio acima até ao Porto de Tomar, de onde partia.
Portanto, o Castelo de Gera, conforme consta da doação do temporal, abrangia o território situado em ambas as margens do rio Tomar, afluente do Zêzere e actual Nabão. Para nascente, estendia-se até ao Zêzere e, para poente, até à margem direita da ribeira da Beselga, que desagua no Nabão. Porém, a isenção que o bispo D. Gilberto fez, pela composição de 1159, não abrangia a margem esquerda do rio Tomar, onde se localiza a povoação de Ceras, junto da ribeira homónima e da aldeia dos Calvinos, a cerca de l5 km a E – NE de Tomar, mas apenas a parte confinada à margem direita, aquela onde se situa a colina do Castelo e que no documento de doação é apresentada como o dito termo de Cera.
Sendo assim, como se explica que a Igreja de Santa Maria do Olival, também situada na margem esquerda do Nabão, se tenha tornado a bailia da Ordem do Templo ?
Seria indispensável uma bula, a justis petentium desideriis; dada por Adriano IV (12 de Junho de 1159) e confirmada por Alexandre III (27 de Junho de 1168), para estender o isento à margem esquerda, determinando que todas as igrejas edificadas na terra de Cera dependessem directamente de Roma.
Que concluir do exposto? Uma vez que o local que conferia o nome ao termo se confinava à margem direita do rio Tomar, o Castelo de Cera já nesse tempo ocuparia a colina onde hoje permanece.
Sendo assim, a história que apresenta os Templários a construir uma fortaleza em Ceras e a abandona-la logo a seguir pela de Tomar não passa de uma fabula, de resto comprovável pela ausência de quaisquer vestígios tanto naquela povoação como nos seus arredores.
Em 1159, o Castelo de Cera decerto necessitava de restauro, que Gualdim Pais terá promovido, introduzindo-lhe alterações na traça, as quais contribuiriam para a definição do perímetro actual. A 1 de Marco de 1160, refundá-lo-ia, conferindo-lhe uma estrutura arquitectónica evocativa da constelação de Bootes, o Boieiro, e atribuindo-lhe o "nomine Thomar", conforme lápide constante da Torre de Menagem. A cidade gerada nos séculos vindouros, obedecendo ao modelo hierosolimitano e a uma geometria depuradíssima, deixaria subentendidas as reminiscências pagas de Sellium e do paleocristianismo bizantino, decorrentes das três hipóstases adoptadas pela práxis construtiva tradicional, cujo formulário os collegia fabrorum latinos sistematizaram no Ocidente para usufruto dos gromatici de todos os tempos, a saber: os quatro Horizontes, as duas Vias e os três Recintos. A propósito delas, escrevia Clemente de Alexandria: De Deus, Coração do Universo, partem as extensões indefinidas que se dirigem, uma para cima, outra para baixo, uma para a frente e outra para trás. Dirigindo o seu olhar para cada uma dessas seis direcções, cria o mundo. Em Deus se contem as seis fases do tempo e é dele que elas recebem a sua extensão indefinida. Nisso reside o segredo do número sete.
Tais formulas cosmogónicas emergem de um âmbito semântico especifico:
I) Os quatro Horizontes: a sua figura canónica é a cruz, Esta representa, entre outras coisas, os pontos cardeais, os quatro domicílios do Sol no decurso dos seus ciclos quotidiano c anual (quatro estações e, por extensão, os 12 signos zodiacais). Exprime simbolicamente a dialéctica Dia-Noite ou Luz-Trevas, por intermédio da dinâmica circular que insere o factor Tempo (Cardo maximus, braço vertical ou dos solstícios) no factor Espaço (Decumanus maximus; braço horizontal ou dos equinócios);
2) As duas Vias: têm correspondência com as portas solsticiais, sendo representadas por Jano, o deus bifronte, porteiro celeste, detentor (como S. Pedro) das chaves dourada e prateada dos Grandes e Pequenos Mistérios, da Porta dos Deuses (Janua Coeli = Capricórnio) e da Porta dos Homens (Janua Inferni = Caranguejo), respectivamente. O Cardo maximus resume-as: segundo Porfírio, o Câncer é favorável à descida e o Capricórnio à subida;
3) Os três Recintos: a mundividência suposta nesta tripartição assenta, segundo Georges Dumezil, em três energias ou ordens, a saber: a soberania, regida pelo céu e representada pelo Templo (oratores, ou clero); a fecundidade, que radica no mundo subterrâneo e se materializa no celeiro (laboratores, ou povo); a força, que age no mundo terrestre e tem sede no palácio (bellatores, ou nobreza). Nesta trifuncionalidade (patenteada pelos três degraus do pelourinho) se baseia a organização social medieval, de acordo com a consabida tese de Georges Duby.
Resta exemplificar com a aplicação de todos os aludidos preceitos ao território tomarense.
Gualdim Pais fez jus à devoção templária pelo Baptista, transformando a Igreja de S. João Precursor [1], paleocristã, na geratriz da urbe tomarense. Tomando-a como centro, traçou uma circunferência, a forma divina (logo perfeita) por excelência. Com ela pretendia a Milícia do Templo, por certo, figurar uma nova Jerusalém, duplicada da Cidade Santa e solo para renovada teofania.
Calculou o raio (380 m) de molde que a circunferência encontrasse o local assinalado pela tradição como o do martírio de Santa Iria e também aquele onde edificou a replica da Cúpula do Rochedo.
Terá concluído a topografia do território deixando assinalados nele os marcos-chave da construção, suas coordenadas e respectivas fungoes, como se depreende das Inquirições de D. Dinis. As condicionantes impostas por esse autentico plano director seriam escrupulosamente seguidas até ao século XVII, se não mesmo até Oitocentos.
S. Gregório e a Capela de Santa Bárbara, outrora situada nos actuais terrenos da FAI (século XVI), S. Francisco e ainda o Padrão Filipino da Várzea Grande (século XVll) haviam ainda de ser dispostos sobre a circunferência.
A intencionalidade da distribuição espacial das edificações notáveis da cidade durante um tão lato lapso temporal não oferece duvidas, até porque se constata pelos traçados que é possível obter um total de 52 triângulos isósceles, número que iguala o cômputo das semanas durante um ano, consabida metáfora do tempo integral e integrado, forma típica de remissão para a sacralidade dos lugares Santos da Terra.




O Castelo de Tomar como
modelador da paisagem



A sua planta evoca a constelação do Boieiro (Bootes), correspondendo as estrelas Arcturus à Alcáçova e Haris (sentinela do Norte) à Charola. Estruturalmente, apresenta as seguintes particularidades:
O prolongamento da união do centro da Charola com alguns dos vértices do octógono alcança pontos notáveis da muralha (Torre da Condessa, Porta do Sangue, Pórtico Filipino gerando dois hexágonos regulares, cujos lados (28 m) prolongados definem, por si sós ou como resultado do encontro de linhas perpendiculares, a orientação e pontos de quebra de diversos panos da muralha. Com centro na Charola, unindo as Torres da Gondessa e de D. Catarina, a bissectriz do angulo obtido determina a Porta do Sangue. Com centro na Charola, unindo A Torre da Condessa e ao cubelo nordeste, a bissectriz (72 graus), do angulo obtido (144 graus) define o eixo da Torre de D. Gatarina.
Os eixos dos vãos das Portas do Sol e de Santiago são perpendiculares entre si.
Os panos da muralha sul, compreendidos entre os 3º e 4º cubelos a partir da Torre de D. Catarina e desde o ângulo a poente da Porta do Sangue até à Torre da Condessa, acham-se alinhados.
O prolongamento da direcção do pano da muralha que contem a Porta do Sangue alcança o cubelo da Alcáçova com forma de ponta de seta (o qual aponta o eixo da Igreja de S. João).

Têm a mesma dimensão (56 m) as distâncias entre:
1) A Torre da Condessa e o torreão que defende a nascente a Porta do Sangue,
2) Esse ponto e aquele onde a fachada sul dos Paços do Infante inflecte;
3) Esse ponto e o centro da Charola.

Ocorrências notáveis:
A Porta do Sol abre-se no prolongamento da Corredora.
O eixo da Porta do Sol determina a orientação inicial do Aqueduto dos Pegões. No prolongamento do eixo da Porta do Sangue ergue-se a Igreja de S. Francisco.
A linha gerada pela união do centro da Charola com o eixo da Porta do Sol encontra a Igreja da Misericórdia (anterior Hospital da Graça).
O prolongamento para nascente do eixo da muralha sul atinge a Sinagoga. O torreão a nascente da Alcáçova, (que evoca a ponta de uma seta) aponta o eixo da Igreja de S. João.
A união da torre da Condessa com a Igreja de Santa Maria do Olival contem a Igreja da Misericórdia. Com centro na Charola, a linha que une a Igreja de Santa Iria inclui o 1º torreão a poente da Alcáçova (na muralha norte).
Com centro na Charola, unindo ao Pórtico Filipino, encontra-se a Capela de S. Gregório.
Com centro na Charola, unindo as Igrejas de S. João, S. Gregório e S. Francisco, obtém-se dois triângulos isósceles.
Com centro na Charola, unindo as Igrejas de Santa Iria e S. Gregório, obtém-se um triângulo isósceles cuja mediana, perpendicular à base do polígono) alinha as Igrejas de Nossa Senhora da Piedade, S. Gregório, S. João, Misericórdia e S. Sebastião (demolida). Com centro na Charola, unindo ao 4º cubelo da muralha sul, contado desde a Torre de D. Catarina, encontra-se a Capela de S. Lourenço [situada na entrada sul de Tomar.

No ponto de intersecção com o alinhamento produzido pela mediana do triângulo formado pela união da Charola, S. Gregório e Santa Iria, encontrava-se (porque foi demolida) a Capela de S. Sebastião (Várzea Grande).
Com centro na Charola, unindo ao cubelo nordeste, (revestido em 1690), alcança-se o pelourinho colocado na Várzea Pequena em 1940 (apenas coincidência ou a comissão ainda conhecia a geometria fundante da cidade?).
Com centro em S. João formam-se, entre os seis pontos dispostos sobre a circunferência, 15 configurações triangulares isósceles.










A Igreja de S. João e os seis pontos sobre a circunferência formam com os restantes edifícios religiosos no interior do circulo (Igrejas de Santa Maria do Castelo, Senhora da Conceição, Misericórdia e a Sinagoga, depois da expulsão dos judeus dedicada a S. Bartolomeu) 13 configurações triangulares isósceles.
A intencionalidade da distribuição das edificações consideradas torna significativas algumas constatações resultantes dos traçados, a saber: S. Francisco e o Padrão Filipino não constituem vértices superioras de nenhum triângulo; Alguns lados ou partes dos lados de certos triângulos são comuns a outros desses polígonos, sendo de considerar a possibilidade de a figura resultante dessas coincidências evocar uma constelação; A distância entre Santa Barbara e a Charola é igual à que separa Santa Maria do Castelo e a Misericórdia; A distância entre a Sinagoga e a Misericórdia é a mesma que separa S. Francisco do ponto de intersecção das linhas que unem Misericórdia/Padrão Filipino e Santa Iria/S. Francisco e igual a distância da Misericórdia ao ponto de intersecção das linhas que unem esta a Santa Maria do Castelo e S. Francisco / Senhora da Conceição. A união de S. João a Torre de D. Catarina e aos cubelos situados entre ela e a Porta do Sol da origem a 4 ângulos de o graus. A união de S. Francisco com a Torre de D. Catarina e os três cubelos a poente dela da origem a 3 ângulos de 4 graus. Por sua vez, as Igrejas de Santa Maria do Olival e da Senhora da Piedade, com o escadório e altar, e as capelas demolidas de S. Lourenço, S, Miguel e S. Sebastião (cujas localizações, reencontradas pelos traçados, conviria assinalar no território), situadas no exterior da circunferência, são atraídas para ela por uma complexa cadeia de triângulos isósceles, construídos com todos os edifícios mais o ponto de confluência das artérias que correm no sentido N-S (actuais Ruas do Pé da Costa, Dr. Sousa, Infantaria 15, Silva Magalhães e dos Moinhos). A intencionalidade da distribuição das edificações consideradas torna significativas algumas constatações resultantes dos traçados, a saber: Alguns polígonos possuem vértices comuns, e outros, um vértice e um ou mais lados;
No ponto de intersecção dos lados dos triângulos altar / Senhora da Piedade / S. Gregório e S. Gregório / Senhora da Piedade / Senhora da Conceição convergem os prolongamentos das ruas que correm no sentido N-S. O prolongamento da mediana do triângulo S. Gregório / Charola / Santa Iria alinha Senhora da Piedade, S. Gregório, S. João, Misericórdia, S. Sebastião (demolida). A localização exacta da demolida Capela de S. Sebastião obtém-se pela intersecção da linha que une a Charola e S. Lourenço com aquela que alinha os cinco edifícios supracitados; O eixo do escadório e secante à circunferência em dois pontos, definindo um deles a localização do Padrão Filipino da Várzea Cirande, sendo também perpendicular ao lado do triângulo que une Santa Maria do Olival a S. Francisco; A distância entre os pontos que definem o lado comum (200 m) é a mesma que entre as Igrejas de S. Francisco e a Misericórdia e entre esta e o Padrão Filipino.


Ad Majorem
Dei Gloriam









Afirmou o visconde de Almeida Garrett que os Jesuítas foram os Templários dos tempos moderno, no que, em absoluto, não foi inovador, visto que o Século das luzes divulgara amplamente a alegada confluência, quer de propósitos, quer de destino, de ambos os grémios. O próprio marques de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, chegaria a sugeri-la numa missiva ao papa na qual expunha a conveniência da extinção da Companhia de Jesus: É necessário considerar, com toda a atenção que o caso merece, o que a História nos diz acerca da severa punição dos Templários.
Mas até Fernando Pessoa dedicou à questão algum do seu tempo, já que subsiste no seu espolio um fragmento deveras sintomático:
(...) Padre Fulano, tem-me causado pasmo. como católico, o facto de a sua Ordem (Companhia de Jesus) ter um Quarto Voto, e de esse Quarto Voto ser o de obediência ao Papa. Parece-me que semelhante voto é totalmente desnecessário num católico, e até deixa presumir que seria de esperar dele uma falta de obediência. Calculo por isso que o Voto não seja realmente esse. Diga-me: realmente, verdadeiramente qual e o Quarto Voto ?)
Invocavam todos, Pessoa, Garrett e Pombal, a vox populi, segundo a qual, após a morte de Jacques de Molay, 22º grão-mestre do Templo, se reunira em Paris um consistório onde ficara estabelecido um programa de actuação que consistia no extermínio das monarquias, destruição do papado, pregação da liberdade e instauração de uma Republica Universal. Duas congregações aparentemente antagónicas, para cuja organização os presentes supostamente se haviam comprometido a trabalhar, seriam as executoras do legado: a Companhia de Jesus e a Maçonaria. A nnhassem. Os graus da Ordem eram os mesmos que são hoje os da Franco-Maçonaria ou pelo menos correspondem em tudo aos outros, de modo que as letras iniciais dos títulos que tomavam e os Santos, senhas ou divisas são as mesmas.
Os Jesuítas nas suas obras traduziam as palavras Mai-son e Maçon pelas palavras gregas lathomos, lathomia. A primeira significa propriamente um canteiro de pedra e a segunda um calabouço, uma prisão ou morada secreta e escandalosa, e por isso chamavam aos Maçõns lathmos para significarem homens fechados em Lojas [...]. Seria demasiadamente extenso se houvesse de seguir o Capitão Smith [...] enfim, a historia, a constituição dos Templários é a mesma, ou pelo menos em tudo semelhante com a da Companhia chamada de Jesus. De maneira que todos aqueles que pelo estudo da história estão convencidos do poder, cobiça e perfídia dos Templários igualmente o estão de que os Jesuítas lhes não ficavam atrás e por isso aplaudiram a sua extinção, mas eles devem saber o que talvez inteiramente ignorem, isto é, que a Bula de Ganganelli não suprimiu mais do que o exterior da Roupeta e do grande chapéu e o poderem eles viver juntos e linearmente com estes exteriores e imposição. Isto é o que faz a Bula daquele Pontífice bem como a de Clemente fez aos Templários, porém a doutrina, os segredos misteriosos, os sistemas maquiavélicos e os laços da confraternidade tanto de um como dos outros ficaram apesar das Bulas de extinção, subsistindo na Sociedade dos Pedreiros Livres. Há Templários e Jesuítas por toda a parte, nos privados Conselhos dos Soberanos, dentro do Directório, nos Tribunais, nas Administrações Civis, à frente dos Exércitos de todas as nações, nos Parlamentos Ingleses, no mesmo Vaticano, no [...], os Governos os reconhecerão um dia [...], mas pode muito bem ser que já seja tarde.
Convirá, não obstante, inquirir se não se dará o caso de Fernando Pessoa se referir à Ordem de Cristo, que vale o mesmo que Ordem Templária de Portugal, pensando na Maçonaria. Em matéria de que era incontestado especialista, o poeta da Mensagem não se equivocaria. A confirmação desta convicção acha-se num fragmento do seu espolio (Esp. 5W87), referido a um tal Nunez, que quis fundar uma Ordem de Cristo dentro da Maçonaria, o que estava, conclui Fernando Pessoa, de antemão condenado.
Diametralmente oposta a esta Maçonaria de obediência claramente ateia, e por essa mesma razão de antemão condenada, uma outra se perfilara em Tomar após a reforma de Frei António de Lisboa, Templária, Cristã (apesar de anti-romana) e Rosa-Cruz, a dos pastores da Lusitânia Transformada, constituída por pessoas concretas que mudam de nome conforme trocam de vida ou lhes é conferido novo estatuto ou grau iniciático pelo maioral (grão-mestre), perante o qual respondem.
Não será demais recordar que o estilo de vida que adoptaram não foi invenção sua, porquanto já no Antigo Testamento Abraão e os seus sucessores seguiam uma vida pastoril e no Salmo XXIII o Bom Pastor conduz as ovelhas pelos caminhos que levam as fontes da paz e da alegria, impedindo-as de se extraviarem. Com Cristo, contudo, a metáfora há-de adquirir contornos de biografia: Ele será o pastor e concomitantemente também o Cordeiro que está no meio do Trono, os apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das aguas da vida. Frei Luis de Léon (1528 – 1591) resume tudo o que respeita o tema, incluindo a tradição bucolica de helenistas e latinos, no De los Nombres de Cristo, tratando-0 de príncipe dos pastores e caracterizando a vida destes.

Há-de haver quem diga que não há como provar materialmente o que se diz...
Recordo que lá diz o Evangelho que é mais cego o que não quer ver que o cego de nascença ... Com efeito, não só não é legítimo retirar a Lusitânia Transformada verosimilhança, uma vez que os cenários nela descritos ainda hoje são reconhecíveis, mas, mais do que isso: se o movimento Rosa-Cruz, como as fontes disponíveis afirmam e reafirmam, teve origem na Alemanha durante o século XVII (1610?), como justificar a ocorrência no Convento de Cristo, já em 1535, dos símbolos que o ramo germânico havia de adoptar só cerca de um século mais tarde ?
E, derradeira questão, no caso de se descartar a perenidade da tradição templária em Tomar, a quem aproveitariam as legendas notoriamente provocantes e obviamente crípticas que acompanham as duas matronas postadas à entrada (antiga entrada, dirigida a oriente) da Charola de Tomar, aludindo a degradação dos Mistérios Iniciáticos, antes conferidos no cume da montanha, ora nos vales, designação que havia de, posteriormente, ser adoptada pela Maçonaria para aludir às suas lojas?


(Matéria pesquisada no Google)

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom post.Parabéns

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