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quarta-feira, 14 de novembro de 2007

COLETÂNEA VARIADA



SONETO

Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, e apurada, e sempre inteira;

Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,

De que me aproveitou? Não de todo por certo
Que de um só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.

Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assim se consola a alma perdida,
Se não achar piedade, ache perdão.


Sá de Miranda



DEIXEI meus olhos sózinhos
nos degraus da sua porta.

Minha bôca anda cantando,
mas todo o mundo está vendo
que a minha vida está morta.

Seu rosto nasceu das ondas
e em sua bôca há uma estrela.

Minha mão viveu mil vidas
para uma noite encontrá-la
e noutra noite perdê-la.
Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.

Seus olhos andam cobertos
de côres da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.

Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saüdade das esperanças
quando se acabar o mundo...

Cecília Meireles




Existem seres puros e sensíveis
que nada dizem quando o amor tortura,
guardando sentimentos de candura
que nem o olhar os torna compreensíveis

Oficiam no templo claro da alma
e quem os vê assim sem um queixume
talvez se lembre da poesia calma
de uma flor escondida no perfume.

Esse amor dura as vezes uma vida
quando a amada ignora ou silencia...

Que falta faz um gesto de ousadia,
uma graça maior na despedida!

Que falta faz! Mas ela não socorre
ao pobre amante e chora
aos poucos se transforma...
e o amor divinizado morre.


Miguel Reale

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