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terça-feira, 18 de setembro de 2007

A Vida Dupla de Dolores
Existem pessoas que conhecemos que são como um livro aberto. Assim é
Dolores Quintão Jardim. Uma portuguesinha faceira, radicada no Brasil, com
uma família feita de marido, filhos, netos, todos lindos e queridos.

Dolores é uma dessas pessoas que quando chega nos lugares é para trazer
luz. Apaixonada por Portugal, vive cantarolando fados. Está sempre rodeada
de rosas. Um riso largo se estampa em seu rosto quando o assunto é poesia.
Tem verdadeira adoração pelos poetas portugueses e em especial por uma
poetisa que idolatra chamada Luiza Caetano.

Uma vez eu fui convidada para um coquetel realizado pela Editora Delicatta,
onde seria apresentado o livro chamado Antologia Delicatta, com premiação e
honrarias. Acontece que Dolores tinha sido requisitada como representante
dos interesses de Luiza Caetano neste evento, onde concorreria como uma das
melhores poetisas

Pouco antes do início da festa eu fui ao toalete. Quando estava para sair
de um daqueles cubículos particulares, ouvi um ruído estranho vindo da
cabine ao lado. Eu sabia que era Dolores, porque reconheci sua voz, mas
para fazer-lhe uma surpresa, não respondi. Fiquei em silêncio. Foi aí que
ouvi Dolores, falando em código com um forte sotaque português. Engoli em
seco, arrependendo-me por não me ter anunciado.Ouvi quando ela saiu da cabine e abri minha porta bem devagar, deixando
apenas uma pequena fresta para espiá-la. Não queria interromper aquela
conversa esquisita, dela com não sei quem, nem assustar Dolores que parecia
estar agitada.

Ela estava de costas para mim e não tinha percebido minha presença.
O que eu mais estranhava era que ela falava, mas eu não via nenhum
celular com ela. Pensei que talvez fosse um daqueles casos de neurose,
aquele em que a pessoa fala sozinha, mas ela falava com tanta convicção
que comecei a prestar atenção.

Ela dizia que estava tudo arranjado para pegar o impostor, que o esquema
todo estava sendo providenciado e que ele seria posto em nocaute. Que
usaria as rosas vermelhas para derrubar o inimigo.

E eu que pensava que as rosas vermelhas de que tanto ela gostava fosse um
hobby, pois não era coisa nenhuma, tudo fazia parte de algum plano
sinistro. Quem diria que a doce Dolores era uma, uma... o que será que
Dolores era? Comecei a segurar um riso que já apontava na garganta. Contraí
a boca fazendo com que meus olhos se enchessem de lágrimas, tudo para não
cair na risada. Pensei que ela estaria falando com algum amante. Quem diria,
hein! Eu não via celular nenhum e ela falava parecendo responder a um fantasma.
Dizia que Luiza Caetano seria homenageada como deveria ser e que o
famigerado Manuel Marcos não conseguiria o seu intento naquele evento, que
era o de fraudar a premiação, tirando os méritos de Luiza.

Comecei a ficar preocupada quando Dolores tirou a roupa. Disse comigo. Ai,
meu Jesus, agora ela pirou de vez. Ela retirou de uma sacola de couro
preto, uma roupa também preta e a vestiu em segundos. Prendeu os cabelos
pretos e colocou uma peruca loira chanel. Pôs um óculo escuro, onde ajustou
uma porção de minúsculos botões. Era um desses óculos que aproximam a
imagem e fazem as coisas aparecerem no escuro. Aquele óculo era de uma
agente secreta, isso eu não tinha a menor dúvida.

Ela enrolou-se com um lenço de seda, estampado com rosas vermelhas. Retirou
um pequeno ramalhete de rosas vermelhas da bolsa (ela adora vermelho),
enfiou alguma coisa que eu não consegui ver, bem no centro do arranjo,
colocando-o sobre uma bancada ali no banheiro. Vocês não vão acreditar, mas,
de repente, ela deu um salto de ninja e alcançou o forro no teto. Afasta uma
das placas do forro e coloca sua bolsa lá em cima, recoloca a placa
novamente, tão rápido que eu fiquei tonta. Pega o ramalhete da pia e sai do
toalete para o salão de festas como uma Vênus platinada. Eu saio logo
atrás, meio zonza sem saber se ria ou se chorava. Então essa era a Dolores!
Que maravilha! Ela seguia pelo salão levando o ramalhete, indo diretamente para a mesa de
jurados. Todos olharam-na embasbacados. Ela sem rodeios, cumprimentou a
todos com um sorriso e foi falar com o senhor Manuel Marcos que a olhava de
queixo caído. Dolores sem cerimônias entregou-lhe o ramalhete com os
cumprimentos do governo de Portugal. Assim que ele pega as flores é
envolvido por uma onda magnética que lhe envia um sinal de comando. É
imediatamente hipnotizado, ficando com os trejeitos do Charles Chaplin.

Nesta noite Luiza Caetano foi aclamada como a poetisa com alma do sol de
Portugal. Durante a festa, o senhor Manuel Marcos teve que ser retirado do
recinto, pois tinha enfiado pãezinhos em garfos e dançava com eles sobre a
mesa, quando já estava virando um show, o levaram para o hotel.

Eu seguia Dolores por todos os canto. Queria descobrir tudo sobre aquela
trama. Quando ela voltou ao toalete eu já estava lá na cabine. Não iria
perder por nada aquilo tudo.
Dolores ligou não sei como, para um sistema de telecomunicações
completamente invisível e foi falando.

-Dori na escuta. Câmbio! Tudo certo, Luiza resplandece, aguardo contato
futuro. Câmbio.
E assim terminou a ligação intergaláctica. Dolores deu um salto para o teto
como se fosse a mulher gato e apanhou sua bolsa de couro. Vestiu-se num
passe de mágica, voltando a ser Dolores, a portuguesinha que conhecíamos.

Quando ela já estava saindo do toalete eu abri a porta e falei:
-Pode ir me contando tudo, querida!
Ela ficou sem graça e foi dizendo que não estava entendendo nada. Eu, rindo,
disse-lhe que o que mais tinha me impressionado foi o telefonema para o
fantasma. Ela disfarçou rindo e disse que estudava teatro. Eu olhei para
ela e falei:
-Tudo bem! E os saltos? São treinamentos para algum circo de equilibristas?
Francamente Dolores, conta outra! E as rosas então, aquilo foi de cinema!
Ela rindo, me abraça e pede segredo. Eu respondi. -Tudo bem querida, eu sou
um túmulo. Quem diria que eu fosse ouvir tudo aquilo de Dolores.

Ela era uma agente secreta, trabalhava para o SIS – Serviço de Informações
e Segurança de Portugal, sendo uma das agentes mais requisitadas nos
últimos tempos. Por isso aquela fixação por rosas. Sempre pensei que as
rosas fossem um hobby para ela. Isso era o que eu pensava.

E o aparelho intergaláctico, era um chip implantado bem na cabeça. Assim
eles entravam em contato com ela e nem mesmo sua família percebia, pois
recebia o comando diretamente de dentro da cabeça. Muito engenhosos esses
portugueses. E nós que fazemos piadas deles. Se eu não tivesse visto tudo
aquilo, jamais acreditaria se me contassem sobre a vida dupla de Dolores,
aliás, Doli, agente secreta da melhor qualidade.

FIM

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