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terça-feira, 17 de setembro de 2013

QUERÊNCIAS PATERNAS* (Crônica) - Jairo de Brito.

QUERÊNCIAS PATERNAS* (Crônica)


I'm nobody______________________________Emily Dickinson
Are you nobody, too?
Then there’s two of us – don’t tell (…)
How dreary to be somebody!
How public, like a frog
To tell your name the livelong day
To an admiring bog (…)"

Quero tornar a ver as ondas, areia, rios e mar, que povoaram os pés dos sonhos
da minha infinda infância, quase de nada até agora bem dita.

Quero saber da história a começar pelo fim, sem medo de olhar pela janela do  
Trem Fantasma - nem de cair da Roda Gigante: aquele pôr do sol ainda repousa
sobre meus ombros. E sua lembrança envolve um pacto com o homem que comandava
a velha máquina do Parque de Diversões: parar, por pelo menos 10 minutos, no mais
alto ponto que chegássemos.

Queríamos ver horizontes sem cerimônias ou pressa; tornar a ver o sol morrer – cansado
de mais um dia por aqui iluminar e aquecer. E queríamos mais: ver o nem tão simples
e vagaroso romper da Lua, já em descarado alvoroço para toda a noite enfeitar.

Sei que você se lembra de nossas pequenas, grandes e fortuitas aventuras. Sim, porque
nossas viagens, gostávamos nós de fazê-las sozinhos. Como se, já então, soubéssemos
como haveria de vir a ser: uma Caixa de Tesouros reservada para guardar nossas todas
lembranças a dois. Só nossas, em únicos Tempo e Sabor.

Assim, seriam sempre mais saborosas que o melhor chocolate; que o mais quente
saquinho de pipocas; que os bichos de pelúcia que, a tiros, derrubávamos das prateleiras
dos Parques. Eu também me lembro que, quando tal ideia/aventura ia começando a surgir
em nossas cabeças, trocávamos olhares cúmplices...

Sabíamos que nada nos faria voltar atrás na escolha do nome que deveria ter nosso novo,
nada arisca, e querido filhote de cão. Assim foi com Delta, por exemplo.

Sabíamos que, em silêncio, pegaríamos nossas coisas e fugiríamos para uma praia
distante para ver e fotografar o Sol nascendo. Ou, para um hotel nas montanhas, à noite,
sem a ninguém avisar. Quando da Escócia, você já rapaz, lhe enviei um postal com rápidas
linhas, sabia eu como você iria sentir-se lá, no Sul da Califórnia (em Laguna Beach),
ao recebê-lo.

Há coisas que o Pai sabe. Há outras que o Filho sabe. E há as mais importantes: aquelas
que só ambos sabem! São os tais pequenos/grandes tesouros que, como a palavra  
Sabedoria, escrita na areia e apagada pela primeira das pequenas ondas, só nós vimos
surgir, desaparecer e sua razão compreender...

Agora, lhe digo: quando eu choro, soluço trovões! E quando escolho minhas armas, uma
é sempre daquelas espadas que descansam à beira de cercas ou muros (de São Jorge),
ou que dispostas estão na Távola Redonda.

Hoje, eu lhe digo: tenho chorado muito. Mas sei que, quando luto, enfrento dragões que
saltam do meu coração para os vales verdes: belos mas não menos escuros que aqueles
que atravesso ao voltar do Inferno!

Há anos não visito os Parques... E minhas “diversões” são tão diversificadas que há
muito já não merecem tal nome. Parques industriais invadiram meus olhos e vida sem
a menor cerimônia. E minhas mãos e mente servem a propósitos de guerras que nem
mais de santas se disfarçam.

Quando, e isso quer dizer todo dia, me preparo para lutar, sei que meu maior e mais
temível inimigo sou eu. Isso não me dá qualquer vantagem, como poderia um infante
supor.

Eu luto comigo; com um específico alfabeto! E minto sobre a enorme inveja, que sempre
escondo, de não ser capaz de a outros alfabetos enfrentar. Calo, quando tentam distrair
minha afoita vontade de ampliar espaços; de abraçar deuses que o próprio cínico pó da
História tenta esconder. Diariamente minto para continuar a acreditar que aquela
Infâncianão, nunca, jamais existiu.

Não! Nunca, jamais vivi tudo aquilo; aquele misto de cores, sabores, odores: olivas,
capim, benjoim, alface e alfazema, almíscar e Lua Cheia; as Águas de Março, os
riachos e tantos nomes de pedras e pássaros. E todos aqueles livros, tantos livros - que
uma vez fiquei tonto! Como peão de xadrez - ou aqueles, de som similar e grafia
diversa, aos quais se amarra um barbante e se solta no ar com a força da mão, nunca
mais voltei... Tonto de Saudade e Amor à Terra, engolir me deixei.

Hoje, eu lhe digo: olho para quase tudo com aquela enorme estranheza que a mim se
juntou, há séculos, como irmã - atada ao meu mais íntimo Ser. E quando luto, o faço
porquê nada mais me resta fazer. Tenho que combater o bom ou o mau combate; objeto
ou abjeto, quase nada mais importa, além das letras que junto – além das letras que
ajunto para, com as mãos em concha, chegar até você e lhe oferecer.

Meus filhos são meus outros dois alfabetos dessa matéria de almas que, ajuntadas,
chegam na hora certa de acertar contas com outras diversas dimensões. Eles são carne,
sangue, Alma e Verbo; a prima e única ideia de cada vez melhor ser – sem nada mais
a ninguém dever! Amém.

*Jairo De Britto

Vitória, Espírito Santo - Brasil.
(13/Janeiro/2010) 

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