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sábado, 28 de setembro de 2013

Afonso Lopes Vieira

Vai a galope o cavaleiro e sem cessar

Galopando no ar sem mudar de lugar.

E galopa e galopa e galopa, parado,
E galopa sem fim nas tábuas do sobrado.

Oh!, que brabo corcel, que doidas galopadas,
– Crinas de estopa ao vento e as narinas pintadas!

Em curvas pelo ar, em velozes carreiras,
O cavalo de pau é o terror das cadeiras!

E o cavaleiro nunca muda de lugar,
A galopar, a galopar a galopar!…

 Afonso Lopes Vieira

Aves, flores, saudades

EMILIANO DA COSTA

Aves, flores, saudades

Sol a sol, desde a serra até ao mar,
Das pegas-rabilongas às gaivotas,
A orquestra alada, requintado as notas,
De nascente a poente é só tocar:

Ocarinas em fila – terras-cottas
Em beirais de telhado; à beira-mar,
Flautas de abibes; harpas de luar
Em garças ribeirinhas, nas marnotas;

Ao longo das ribeiras são as filas
Dos violinos – sílvias e fringilas –
Violetas, violas-trisonoras

E no alto do céu, flamas em jogo,
A regê-los, o Pássaro de Fogo
Peneira as grandes asas criadoras.

(in “Concerto ao ar livre”)

Maria da Fé - Até que a voz me doa (+playlist)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

António Ramos Rosa (1924-2013)



Autor de uma das obras poéticas mais extensas e marcantes da poesia portuguesa contemporânea, António Ramos Rosa morreu esta segunda-feira aos 88 anos.


Morreu esta segunda-feira em Lisboa, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos Rosa, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado em 2012. Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea, Ramos Rosa morreu por volta das 13h30 desta segunda-feira, em consequência de uma infecção respiratória, em Lisboa, no Hospital Egas Moniz.



Além da sua vastíssima obra poética, escreveu livros de ensaios que marcaram sucessivas gerações de leitores de poesia, comoPoesia, Liberdade Livre (1962) ou A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979), traduziu muitos poetas e prosadores estrangeiros, sobretudo de língua francesa, e organizou uma importante antologia de poetas portugueses contemporâneos (a quarta e última série das Líricas Portuguesas). Era ainda um dotado desenhador.
Prémio Pessoa em 1988, António Ramos Rosa, natural de Faro, recebeu ainda quase todos os mais relevantes prémios literários portugueses e vários prémios internacionais, quer como poeta, quer como tradutor.
Já muito fragilizado, o poeta, que estava hospitalizado desde quinta-feira, teve ainda forças para escrever esta manhã os nomes da sua mulher, a escritora Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe. E depois de Maria Filipe lhe ter sussurrado ao ouvido aquele que se tornou porventura o verso mais emblemático da sua obra — “Estou vivo e escrevo sol” —, o poeta, conta a filha, escreveu-o uma última vez, numa folha de papel. 
  Poemas:
Não posso adiar o amor para outro século
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração

O Grito Claro, 1958


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Mas agora estou no intervalo em que
Mas agora estou no intervalo em que
toda a sombra é fria e todo o sangue é pobre.
Escrevo para não viver sem espaço,
para que o corpo não morra na sombra fria.
Sou a pobreza ilimitada de uma página.
Sou um campo abandonado. A margem
sem respiração.
Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe
a ciência certa da navegação no espaço,
o corpo abre-se ao dia, circula no próprio dia,
o corpo pode vencer a fria sombra do dia.
Todas as palavras se iluminam
ao lume certo do corpo que se despe,
todas as palavras ficam nuas
na tua sombra ardente.
A Construção do Corpo, 1969

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Viste o cavalo varado a uma varanda?
Viste o cavalo varado a uma varanda?
Era verde, azul e negro e sobretudo negro.
Sem assombro, vivo da cor, arco-irís quase.
E o aroma do estábulo penetrando a noite.
Do outro lado da margem ascendia outro astro
como uma lua nua ou como um sol suave
e o cavalo varado abria a noite inteira
ao aroma de Junho, aos cravos e aos dentes.
Uma língua de sabor para ficar na sombra
de todo um verão feliz e de uma sombra de água.
Viste o cavalo varado e toda a noite ouviste
o tambor do silêncio marcar a tua força
e tudo em ti jazia na noite do cavalo.
Ciclo do Cavalo, 1975

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Sem segredo algum
Rodeio-te de nomes, água, fogo, sombra,
vagueio dentro das tuas formas nebulosas.
Como um ladrão aproximo-me entre palavras e nuvens.
Não te encontrei ainda. Falo dentro do teu ouvido?
Entre pedras lentas, oiço o silêncio da água.
A obscuridade nasce. Tens tu um corpo de água
ou és o fogo azul das casas silenciosas?
Não te habito, não sou o teu lugar, talvez não sejas nada
ou és a evidência rápida, inacessível,
que sem rastro se perde no silêncio do silêncio.
O que és não és, não há segredo algum.
Selvagem e suave, entre miséria e música,
o coração por vezes nasce. As luzes acendem-se na margem.
Estou no interior da árvore, entre negros insectos.
Sinto o pulsar da terra no seu obscuro esplendor.
Volante Verde, 1986

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Apreender com as palavras a substância mais nocturna
Apreender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a sua própria sede
Talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombra
e já não do espelho ou de torres de fumo
e como antenas de fogo nas gretas do olvido
serão inicialmente matéria fiel à matéria
O Livro da Ignorância, 1988
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Agrípia
Agrípia, foi a partir de ti que eu renasci
na luminosa corola de um sorriso
e os meus navios cinzentos e perdidos
seguiram a bondade do teu rumo.
Esta casa não seria a minha casa
se não fosse a tua branca arquitectura
e o teu hálito límpido que me guarda
nas suas tranquilas coordenadas.
Por ti o horizonte está em casa
e nele eu vivo contigo a ondulada
permanência da alma iluminada.
Nomes de Ninguém, 1997


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Talvez a minha vocação não seja esta
Talvez a minha vocação não seja esta
ou seja esta por ter perdido o espaço que nunca tive
Era algo selvagem algo violentamente vivo
o espaço na sua integridade deslumbrante
o mar na sua plenitude de felina substância
as ilhas de ouro verde as ilhas solares
as grandes pradarias com os seus cavalos vagarosos e tranquilos
a liberdade de ser o fogo com as suas veias indolentes
Sim eu perdi todo esse espaço que nunca tive
e se escrevo é para inventar um espaço a partir desta perda
na ficção de respirar o que há de mais selvagem e mais nu
como se estivesse entre escarpas verdes inundado pela espuma
ou como se estivesse no esplendor do deserto à hora do meio-dia
Mas o que faço não é mais do que um trabalho de insecto
que perfura a cal e as páginas dos livros
para traçar a sua caligrafia insignificante
na nulidade de uma matéria árida e anónima
Deambulações Oblíquas, 2001
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Vivi tanto
Vivi tanto
que já não tenho outra noção
de eternidade
que não seja a duração da minha vida
Em Torno do Imponderável, 2012

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(António Ramos Rosa, e os livros fotografado em 2004 - David Clifford .)




quarta-feira, 18 de setembro de 2013

SEBASTIÃO MANUEL




A música de Portugal, perdeu hoje em São Paulo um de seus mais fervorosos representantes no Brasil. Sebastião Manuel, descansa em PAZ .

Tua música,ecoa pelo céu.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

QUERÊNCIAS PATERNAS* (Crônica) - Jairo de Brito.

QUERÊNCIAS PATERNAS* (Crônica)


I'm nobody______________________________Emily Dickinson
Are you nobody, too?
Then there’s two of us – don’t tell (…)
How dreary to be somebody!
How public, like a frog
To tell your name the livelong day
To an admiring bog (…)"

Quero tornar a ver as ondas, areia, rios e mar, que povoaram os pés dos sonhos
da minha infinda infância, quase de nada até agora bem dita.

Quero saber da história a começar pelo fim, sem medo de olhar pela janela do  
Trem Fantasma - nem de cair da Roda Gigante: aquele pôr do sol ainda repousa
sobre meus ombros. E sua lembrança envolve um pacto com o homem que comandava
a velha máquina do Parque de Diversões: parar, por pelo menos 10 minutos, no mais
alto ponto que chegássemos.

Queríamos ver horizontes sem cerimônias ou pressa; tornar a ver o sol morrer – cansado
de mais um dia por aqui iluminar e aquecer. E queríamos mais: ver o nem tão simples
e vagaroso romper da Lua, já em descarado alvoroço para toda a noite enfeitar.

Sei que você se lembra de nossas pequenas, grandes e fortuitas aventuras. Sim, porque
nossas viagens, gostávamos nós de fazê-las sozinhos. Como se, já então, soubéssemos
como haveria de vir a ser: uma Caixa de Tesouros reservada para guardar nossas todas
lembranças a dois. Só nossas, em únicos Tempo e Sabor.

Assim, seriam sempre mais saborosas que o melhor chocolate; que o mais quente
saquinho de pipocas; que os bichos de pelúcia que, a tiros, derrubávamos das prateleiras
dos Parques. Eu também me lembro que, quando tal ideia/aventura ia começando a surgir
em nossas cabeças, trocávamos olhares cúmplices...

Sabíamos que nada nos faria voltar atrás na escolha do nome que deveria ter nosso novo,
nada arisca, e querido filhote de cão. Assim foi com Delta, por exemplo.

Sabíamos que, em silêncio, pegaríamos nossas coisas e fugiríamos para uma praia
distante para ver e fotografar o Sol nascendo. Ou, para um hotel nas montanhas, à noite,
sem a ninguém avisar. Quando da Escócia, você já rapaz, lhe enviei um postal com rápidas
linhas, sabia eu como você iria sentir-se lá, no Sul da Califórnia (em Laguna Beach),
ao recebê-lo.

Há coisas que o Pai sabe. Há outras que o Filho sabe. E há as mais importantes: aquelas
que só ambos sabem! São os tais pequenos/grandes tesouros que, como a palavra  
Sabedoria, escrita na areia e apagada pela primeira das pequenas ondas, só nós vimos
surgir, desaparecer e sua razão compreender...

Agora, lhe digo: quando eu choro, soluço trovões! E quando escolho minhas armas, uma
é sempre daquelas espadas que descansam à beira de cercas ou muros (de São Jorge),
ou que dispostas estão na Távola Redonda.

Hoje, eu lhe digo: tenho chorado muito. Mas sei que, quando luto, enfrento dragões que
saltam do meu coração para os vales verdes: belos mas não menos escuros que aqueles
que atravesso ao voltar do Inferno!

Há anos não visito os Parques... E minhas “diversões” são tão diversificadas que há
muito já não merecem tal nome. Parques industriais invadiram meus olhos e vida sem
a menor cerimônia. E minhas mãos e mente servem a propósitos de guerras que nem
mais de santas se disfarçam.

Quando, e isso quer dizer todo dia, me preparo para lutar, sei que meu maior e mais
temível inimigo sou eu. Isso não me dá qualquer vantagem, como poderia um infante
supor.

Eu luto comigo; com um específico alfabeto! E minto sobre a enorme inveja, que sempre
escondo, de não ser capaz de a outros alfabetos enfrentar. Calo, quando tentam distrair
minha afoita vontade de ampliar espaços; de abraçar deuses que o próprio cínico pó da
História tenta esconder. Diariamente minto para continuar a acreditar que aquela
Infâncianão, nunca, jamais existiu.

Não! Nunca, jamais vivi tudo aquilo; aquele misto de cores, sabores, odores: olivas,
capim, benjoim, alface e alfazema, almíscar e Lua Cheia; as Águas de Março, os
riachos e tantos nomes de pedras e pássaros. E todos aqueles livros, tantos livros - que
uma vez fiquei tonto! Como peão de xadrez - ou aqueles, de som similar e grafia
diversa, aos quais se amarra um barbante e se solta no ar com a força da mão, nunca
mais voltei... Tonto de Saudade e Amor à Terra, engolir me deixei.

Hoje, eu lhe digo: olho para quase tudo com aquela enorme estranheza que a mim se
juntou, há séculos, como irmã - atada ao meu mais íntimo Ser. E quando luto, o faço
porquê nada mais me resta fazer. Tenho que combater o bom ou o mau combate; objeto
ou abjeto, quase nada mais importa, além das letras que junto – além das letras que
ajunto para, com as mãos em concha, chegar até você e lhe oferecer.

Meus filhos são meus outros dois alfabetos dessa matéria de almas que, ajuntadas,
chegam na hora certa de acertar contas com outras diversas dimensões. Eles são carne,
sangue, Alma e Verbo; a prima e única ideia de cada vez melhor ser – sem nada mais
a ninguém dever! Amém.

*Jairo De Britto

Vitória, Espírito Santo - Brasil.
(13/Janeiro/2010) 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Bernardo G. B. Nogueira.






espaços

Escrevo e apago letras
Cursam entre mim e o mundo
Elas a bailar em minha frente como se realidade
Mas de pronto vem a imensidão
Maior que eu, e elas
Menores que a tragédia
Servis mesmo
Embaraçam minha visão
Tomam meu corpo
Gozam como deusas pagãs
Depois se riem em outra morada
Meus dedos
Ávidos e amantes
Ficam a se tocar
Sempre com o som de suas composições
Se criatura ou criador
Palavras por escrever
Outra estória...

B.